quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Steve e Fred

– Eles são muitos! – gritou Naomi, combinando perfeitamente com a derrapada dos pneus da moto.
Eles pararam a pouca distância da margem das árvores com o motor da Buell ronronando entre as pernas. Os olhos de Steve se estreitaram enquanto ele examinava o muro externo. Não eram os zumbis que o incomodavam. O portão principal do laboratório estava bloqueado. Um Humvee colidira com a carcaça incendiada do que parecia ser um trator semeador. O trailer deve ter avançado ainda mais, virando ao bater nos dois veículos. Poças brilhantes como de gelo cintilavam onde o fogo derretera partes dos passadiços de alumínio. Não podemos ir por aqui. Steve olhou Naomi por sobre o ombro.
– Hora de usar a entrada de serviço.
A neurocientista tombou a cabeça de lado.
– E existe uma?
Steve não pôde deixar de rir. Para alguém tão inteligente, Naomi podia ser bem burra. Steve lambeu o dedo e colocou-o teatralmente no vento.
– Vamos descobrir.
O laboratório estava inteiramente cercado. Ele esperava por isso. Devia haver, o quê?, uns cem se arrastando e apalpando de cada lado do perímetro hexagonal.

– Não estou vendo outro portão! – gritou Naomi, com o ronco da moto.
– Não estamos procurando um! – gritou Steve em resposta.
Ali! Um ponto onde os mortos-vivos tinham se espremido contra o muro. Talvez houvesse alguma coisa do outro lado: um sobrevivente vivo, um animal ferido, quem sabe, quem se importava? O que quer que fosse devia ser saboroso para atrair Fedorentos suficientes para esmagar alguns companheiros nos blocos de concreto expostos. A pressão criava uma massa sólida de carne necrótica comprimida e o ângulo raso permitia que os Fedorentos ainda móveis literalmente escalassem e pulassem o muro.
A “rampa” deve ter se formado pelo menos há algumas horas. A presa original há muito foi devorada. Só alguns demônios agora cambaleavam ou rastejavam pela rampa de mortos-vivos. Algumas partes de seus corpos ainda se mexiam: um braço acenava, uma mandíbula batia. Steve não dava a mínima para eles; o que o preocupava eram os móveis que ainda se arrastavam por eles. Só alguns. Ele assentiu imperceptivelmente. Tudo bem.
Naomi não reagiu quando Steve apontou a moto para a rampa. Só olhou o alvo quando ele acelerou o motor.

– Você vai... – começou ela.
– Só tem um jeito de entrar.
– Isso é loucura! – gritou Naomi, afrouxando a mão da cintura de Steve como se fosse saltar da Buell.
A mão esquerda de Steve por instinto disparou, segurando o pulso de Naomi e puxando-o para ele. Vendo seu olhar apavorado, ele abriu seu sorriso característico.
– Confie em mim.
De olhos arregalados e a pele de giz, Naomi só pôde assentir e se abraçar a ele com a maior força possível. Steve se voltou para a rampa, ainda sorrindo. Tá legal, Gunny Toombs, essa é para vocês!
A Buell disparou como uma bala de rifle, com Hansen curvado no uivo do vento. Quinhentos metros... Quatrocentos... Trezentos... Alguns zumbis próximos da rampa deram pela presença deles, virando-se e cambaleando para a moto que se aproximava. Duzentos metros... Cem... E agora eles formavam uma massa, agrupando-se em um enxame pequeno, mas apertado, bloqueando a rampa. Sem piscar, Steve sacou a M4 da bainha de couro surrado e, com os olhos ainda fixos à frente, apertou com firmeza o gatilho da arma. Foi um movimento que ele só tentou uma vez, na noite em que seu jato Harrier caiu nos arredores de Fallujah. O impacto quebrou-lhe um braço e as pernas, mas não seu espírito de guerreiro. Ele tentou usar os dentes para armar a carabina automática. Tinha dado certo na época, maldição se não desse agora. Os primeiros disparos estalaram de forma tranquila na câmara.
Não havia tempo para mirar. Teve de atirar sem pensar. Crac! O olho esquerdo do mais próximo desapareceu, uma nuvem marrom avermelhada explodindo da parte de trás da cabeça. Steve podia ter comentado sua mira, se houvesse tempo. Crac! Crac! Mais dois derrubados, caindo como fantoches com as cordas rompidas. Dessa vez ele sorriu. Ainda sou bom nisso.
O caminho começou a se abrir, mas à velocidade ofuscante que corriam, será que se abriria com rapidez suficiente?

– Ah, meu Deus! – gritou Naomi.
Com a distância de meia dúzia de motos antes de chegarem à rampa, Steve apertou o gatilho da M4, disparando toda uma saraivada automática de passagens para o inferno revestidas de cobre. Dê um beijo em Satã por mim, pensou Steve. Ou em minha ex-mulher, se a vir primeiro.
A carabina estalou vazia pouco antes de cair o último zumbi e, com um leve triturar e uma explosão, cento e quarenta e seis cavalos trovejaram pela rampa. As rodas da Buell rasgaram a superfície pútrida, e Steve e Naomi foram catapultados pela cerca.

– OOOOOH-HAAAAA – gritou Steve, e por uma fração de segundo estava de volta ao cockpit, gritando sobre o deserto do Iraque, espalhando fogo e morte numa tempestade de estrelas. Mas ao contrário do jato AV-8, essa máquina não podia ser pilotada depois da decolagem.
O pneu dianteiro da Buell bateu no asfalto do estacionamento e derrapou em uma poça de restos humanos. O impacto lançou os dois do banco de couro customizado. Steve se dobrou, rolou e bateu no pneu de um Prius amassado. O motorista do híbrido, sem braços, sem rosto, olhava para ele da porta aberta. Que pena que o carro “salve a Terra” não pôde fazer o mesmo por seu dono, pensou ele.

Steve se pôs de pé com um salto. Podia ver Naomi deitada a vários metros. Estava de cara para baixo, sem se mexer. Merda. A moto estava caída no lado oposto. Não havia como saber se uma das duas estava viva.
Os gemidos e o fedor o atingiram como dois socos em sequência. Ele girou bem a tempo de ver o primeiro da horda de zumbis começar a se arrastar para eles. Onde diabos estava a M4? Ele a sentiu escorregar de sua mão quando bateram, ouviu-a deslizar pela superfície dura. Deve ter parado embaixo de um carro, mas qual? Devia haver centenas de veículos no estacionamento, o que também significava que devia haver centenas de ex-donos mortos-vivos ainda naquele terreno. Não havia tempo para se preocupar com isso nem para procurar a arma. Os demônios, agora uns vinte, avançavam lentamente para o corpo imóvel de Naomi.
A mão de Steve primeiro procurou a 9mm na jaqueta. Não. Ele se deteve. Se a M4 estivesse danificada ou perdida, sua Glock seria a única arma balística. Além disso, pensou ele, com o dedo se fechando no familiar punho de pele de tubarão em suas costas, não seria justo com a Musashi.

SSHHIING! A lâmina de vinte e três polegadas do ninjatô brilhou no sol de meio-dia, tão lisa e clara como no dia em que o sensei Yamamoto lhe deu de presente em Okinawa. “Seu nome é Musashi”, explicara o velho. “O Espírito do Guerreiro. Depois de sacada, sua sede deve ser saciada com sangue.” Bom, pensou ele, vamos torcer para que isto inclua a porcaria gosmenta que esses Fedorentos têm nas veias.
Um zumbi assomava no reflexo na lâmina. Steve girou, pegando-o com perfeição sob o pescoço. Ossos e músculos se separaram como gelo sob o fogo enquanto a cabeça ainda batia os dentes, rolando inofensiva para debaixo de uma minivan incendiada.
Centrado e firme.
Outro zumbi estendeu o braço para pegar a gola de Steve, que se abaixou sob o braço direito e saiu atrás de suas costas. Mais uma cabeça rolava.
Respirar e golpear.
Um terceiro levou a lâmina da Musashi no olho esquerdo.
Esquivar-se e balançar.
Um quarto perdeu o topo da cabeça. Steve agora estava a poucos passos de Naomi.
Centrado e firme!
Um quinto Fedorento teve o crânio cindido bem no meio.
– Steve. – Naomi olhou para cima com a voz fraca, os olhos sem foco. Estava viva.
– Tô com você, amor. – Steve a colocou de pé, ao mesmo tempo descendo a lâmina da Musashi pela orelha de um demônio que se arrastava entre eles. Pensou em procurar a M4, mas não havia tempo. Muito mais aonde vamos.
– Vem! – Steve a puxou por um enxame invasor e juntos eles correram até a Buell virada. Quando sentiu o motor roncar embaixo de seu corpo, Made in USA!, ele não se surpreendeu. Outro ronco também seria ouvido, abafado e fraco, crescendo a cada segundo. Steve tombou a cabeça de lado para a fumaça que enchia o céu. Lá estava: sua saída dali, um pontinho preto contra o sol carmim.
– Chamou um táxi? – disse Steve, sorrindo para Naomi. Pelo mais breve dos momentos, a linda intelectual sorriu.
Eles estavam a apenas cem metros das portas abertas do laboratório. Nenhum problema ali. Quatro lances de escada. Steve afagou a moto. Novamente, nenhum problema.
– Só temos de chegar ao heliporto no... – Steve se interrompeu. Seus olhos se fixaram em alguém, não, em algo. Um demônio se arrastava para eles de trás de um 4x4 amassado. Era baixo e lento e, mesmo a pé, ele e Naomi o teriam deixado comendo poeira. Mas Steve não pretendia sair. Ainda não. – Mantenha o motor ligado – disse ele e pela primeira vez Naomi não o questionou.
Mesmo com a pele podre, o sangue seco, os olhos sem vida e leitosos, ela também reconheceu Theodor Schlozman.
– Vá – foi só o que ela disse.
Steve desceu da moto e andou lentamente, quase despreocupado, para o demônio que se aproximava
– Ei, doutor – disse ele com brandura, a voz fria como a morte ártica. – Ainda tentando salvar a Mãe Terra de seus filhos mimados?

O queixo de Schlozman despencou lentamente. Dentes quebrados e sujos se projetavam por nacos de carne humana podre.
– Huuuuuuuuuuuuuaaaaaaaaaa – grunhiu o vencedor do Prêmio Nobel, estendendo as mãos sangrentas para o pescoço de Steve.
O fuzileiro naval o deixou chegar bem perto, quase o tocando.
– Como você costumava dizer – sorriu com malícia –, os braços servem para abraçar. – E girando a Musashi como um rifle de guarda de honra, decepou os dedos de Schlozman, depois as mãos, em seguida os braços, antes de saltar no ar e esmagar a cabeça do paleoclimatologista com um pontapé em círculo.
O cérebro que antes foi saudado como “A Maior Realização da Evolução” explodiu do crânio espatifado. Ainda intacto, girou para a Buell, caindo com um baque molhado bem na base do pneu dianteiro. Touchdown.
O fuzileiro naval embainhou a curta espada de assassino e voltou devagar a Naomi.
– Terminamos? – perguntou ela.
Steve olhou o Blackhawk que se aproximava. Cinco minutos para chegarem ao telhado. Bem a tempo.
– Só tive de jogar o lixo fora – respondeu antes de olhar para ela.
Ele acelerou o motor e sentiu os braços de Naomi se apertando em sua cintura.
– Lá atrás – disse ela, tombando a cabeça para o local onde ele a havia resgatado –, você me chamou de “amor”?
Steve virou a cabeça de lado com uma inocência perfeita e disse a única palavra em francês que quis aprender:
– Moi?
Ele acelerou o motor e o cérebro do professor Theodor Emile Schlozman foi esmagado sob a borracha como um tomate maduro demais. Steve sorriu enquanto a moto trovejava para...
Fred fechou o livro. Devia ter parado várias páginas antes. A dor por trás dos olhos agora se espalhara para a testa e descia ao pescoço. Na maior parte do tempo, ele conseguia ignorar a dor de cabeça constante. Na maior parte do tempo era só uma pulsação surda. Mas nos últimos dias chegava a ser quase debilitante.

Ele se deitou de costas, grudando a pele no piso de granito liso. Pousou a cabeça no trapo gorduroso e áspero que antes fora sua camiseta e tentou focalizar no centro do teto. A luminária acima quase parecia estar acesa. A esta hora da tarde, a luz do sol da janelinha atingia o prisma do vidro da lâmpada. Centelhas de arco-íris, dezenas delas, marchavam lindamente pelo papel de parede creme. Para ele, esta era a parte favorita do dia, e pensar que ele nem percebera quando chegou. É a única coisa de que vou sentir falta quando sair daqui.
E então sumiram. O sol tinha se movido.
Ele devia ter pensado nisso, planejado melhor. Se soubesse a que horas aconteceria, poderia ter lido até então. Talvez nem tivesse ficado com uma dor de cabeça tão forte. Deveria ter usado um relógio. Por que não tinha relógio? Idiota. Seu celular sempre dava a hora, a data e... Tudo. Agora o celular estava morto. Há quanto tempo isso aconteceu?
Precisa estar preparado, babaca.
Fred fechou os olhos. Tentou massagear as têmporas. Má ideia. O primeiro movimento para cima rasgou as crostas entre a pele e os cotos das unhas. A dor o fez soltar um silvo breve. Idiota de merda! Ele expirou lentamente, tentando se acalmar. Lembre-se...
Seus olhos se abriram. Percorreram as paredes. Cento e setenta e nove, ele contou. Cento e setenta e oito. Ainda funcionava. Cento e setenta e sete.

Contando... Recontando, cada impressão de punho com sangue, marca de pé, linhas de expressão de pânico e desvario na testa. Cento e setenta e seis.
É isso que acontece quando você se descontrola. NÃO volte lá!
Sempre deu certo, embora sempre parecesse levar um pouco mais de tempo. Da última vez, ele contou regressivamente até quarenta e um. Desta vez até trinta e nove.
Você merece uma bebida.
Era doloroso levantar-se. Sua lombar doía. Seus joelhos doíam. As coxas, as panturrilhas e os tornozelos ardiam um pouco. A cabeça girava. Por isso ele desistira de se espreguiçar pela manhã. A vertigem era o pior de tudo. Naquela primeira ocasião, ele se ergueu com muita rapidez; o hematoma na cara ainda pulsava da queda. Desta vez ele pensou que tinha se levantado bem devagar. Mas se enganou, imbecil. Fred caiu de joelhos. Assim era mais seguro. Manteve a cabeça virada para a direita; deste ângulo, você sempre olhava para a direita! Com a mão na borda para se equilibrar, a outra caiu na garrafa plástica de Coca na privada. A água estava só alguns graus mais fria, mas foi suficiente para lhe devolver a plena consciência. Preciso beber mais, não só para a desidratação, mas para quando eu começar a ficar desorientado.
Quatro goles. Não queria exagerar. O encanamento ainda funcionava. Por ora. Mas era melhor poupar. Era melhor ser inteligente. Sua boca estava seca. Ele tentou assoviar. Outra má ideia. Toda a dor o inundou a um só tempo; as rachaduras nos lábios, as feridas em seu palato mole, a infecção por estafilococos na ponta da língua que adquiriu quando tentava inconscientemente chupar as últimas partículas de comida entre os dentes. Mas que bem do caralho isso me fez.
Fred meneou a cabeça, enojado. Não estava raciocinando. Deixou os olhos abertos, e foi aí que cometeu o maior erro do dia. Olhou para a esquerda. Seus olhos se fixaram no espelho de corpo inteiro.
Um fracote lamentável o olhava dali. Lívido, o cabelo embaraçado e afundado, os olhos injetados. Ele estava nu. O uniforme de zelador não cabia mais. O corpo vivia da própria gordura.
Mané. Sem músculo, sem gordura.
Maricas. A pele cabeluda pendendo em rolos murchos de pústulas.

Monte de merda ridículo!
Atrás dele, na parede do outro lado, havia outras marcas que ele fez. Dia Dois, quando ele parou de tentar alargar a janela de trinta por trinta centímetros com as unhas e os dentes. Dia Quatro, quando ele evacuou as últimas fezes sólidas. Dia Cinco, quando parou de gritar, pedindo ajuda. Dia Oito, quando tentou comer o cinto de couro porque vira uns peregrinos fazerem isso num filme. Era um lindo cinto grosso, presente de aniversário de...
Não, não vá lá.
Dia Treze, quando o vômito e a diarreia cessaram. Que diabos havia naquele couro? Dia Dezessete, quando ficou fraco demais para se masturbar. E cada dia cheio de choros e súplicas, acordos silenciosos com Deus e apelos chorosos por...
Não.
Todo dia que terminava, convenientemente, enroscado na posição fetal porque não havia espaço para se esticar.
NÃO PENSE NELA!
Mas claro que pensou. Pensava nela todo dia. Pensava nela a cada minuto. Falava com ela em sonhos e na terra de ninguém entre os sonhos e a realidade.
Ela estaria bem. Tinha de estar. Sabia se cuidar. Ainda cuidava dele, não é? Por isso ele ainda estava vivo em casa. Ele precisava dela, não o contrário. Ela ficaria bem. Claro que ficaria.
Procurava não pensar nela, mas sempre o fazia, e claro que outros pensamentos se seguiam a este.

Fracasso! Não ouviu os alertas! Não saiu quando podia!
Fracasso! Deixar-se aprisionar neste espaço mínimo, nem mesmo o quarto inteiro, só um box de banheiro do tamanho de um armário, bebendo da porcaria da privada!
Fracasso! Nem mesmo teve colhões para quebrar o espelho e fazer a coisa honrosa que deveria ter feito. E agora, se eles entrarem nem mesmo tem a porra das forças!
Fracasso, FRACASSO!
– FRACASSO!
Ele disse isso em voz alta. Merda.
A batida alta na porta o fez se espremer no canto mais distante. Havia mais deles; ouvia os gemidos ecoando pelo corredor. Combinavam com os que vinham da rua. Pareciam um mar ali, da última vez que ele subiu na privada para olhar. Nove andares abaixo, eles se agitavam como uma massa sólida, estendendo-se quase a perder de vista. O hotel devia estar inteiramente infestado, cada andar, cada quarto. Na primeira semana ele ouviu um arrastar de pés pelo teto. Na primeira noite, ouviu os gritos.
Pelo menos eles não sabiam abrir uma porta deslizante. Ele teve sorte ali: se fosse uma porta que se empurrasse em vez de deslizar; se a madeira fosse oca, e não maciça; se eles fossem inteligentes para deduzir como abri-la; se a porta ficasse no fundo do banheiro externo, em vez de mais para o lado...

Quanto mais os que estavam no quarto empurravam, mais pregavam outros, indefesos no banheiro na parede oposta. Se fosse uma linha reta, seu peso combinado, a quantidade deles...
Ele estava seguro. Não podiam entrar, por mais que arranhassem, lutassem e gemessem... E gemessem. O papel higiênico em seus ouvidos não funcionava mais. Muita cera e muita gordura os havia achatado contra as laterais dos canais. Se poupasse um pouco mais e não tentasse comer...
Talvez não seja o pior, ele se tranquilizou, de novo. Quando chegar o resgate, vai precisar ouvir o helicóptero.
Era melhor assim. Quando os gemidos ficavam muito ruins, Fred pegava o livro, outro golpe de sorte que ele teve ao correr para lá. Quando saísse dali, teria de localizar o dono, de algum jeito, e agradecer por ter esquecido o livro ao lado da privada. “Cara, isso me manteve são durante todo aquele tempo!”, diria. Bom, talvez nem tanto assim. Ele ensaiou pelo menos outros cem discursos eloquentes, todos dados enquanto bebia alguns drinques refrescantes, ou mais provavelmente enquanto comia comida RPC. É como são chamadas na página 238: “Refeições Prontas para Comer.” Eles realmente as produzem com substâncias químicas dentro da embalagem? Ele teria de voltar e reler essa parte. Amanhã, porém. A página 361 era sua preferida; da 361 até a 379.
Escurecia. Pararia agora, antes de sua cabeça doer demais. Depois, talvez, alguns goles de água e ele conseguiria dormir cedo. O polegar de Fred encontrou a página, marcada por uma dobra no canto.
Max Brooks

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