quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Sou Melhor Do Que Você


Nicki não se encontrava em casa quando houve o telefonema. Sua colega de apartamento estava excitada demais para apresentar um relatório coerente. Ela não tinha muita certeza do lugar em que o Sr. Wolfe vira Nicki atuar: se na peça da temporada de verão, na aparição de dois minutos em Gypsy ou no comercial de televisão para um aspirador. Mas que diferença isso podia fazer? Nicki deveria apresentar-se no Broadhurst Theatre, às 4 em ponto, se quisesse ter uma audiência. Nicki ficou tão excitada que saiu da pensão sem nem mesmo passar um pente pelos cabelos louros emaranhados. Percorreu a pé os 13 quarteirões até o teatro, não querendo permitir-se a indulgência de um táxi. Poderia conseguir um lugar na peça, é certo, mas o elenco vinha sendo escolhido há mais de um mês e agora só deveriam restar os papéis secundários.

Havia apenas cinco pessoas no palco quando Nicki chegou. Quatro mal a olharam quando ela avançou, hesitante, até a frente do palco. O quinto, um homem de aparência ainda jovem, o rosto ossudo, vestindo um pulôver, aproximou-se dela, sorrindo. Nicki sabia que era Wolfe, o diretor, importado de um teatro dos subúrbios, em sua estréia na Broadway, com uma nova comédia.

— Eu a conheço — disse ele. — Você é Nicki Porter. Obrigado por ter vindo.

— Eu é que lhe agradeço — disse Nicki tímida, usando sua voz rouca e sonora.

Nicki não era extraordinariamente bonita nem mesmo provocantemente comum. A sua melhor característica era a voz.

— Vou dizer-lhe do que se trata, Nicki. Há uma jovem viúva nesta peça, bastante jovem, mas não exatamente do tipo inconsolável. O papel é pequeno, mas é justamente daquele tipo que atrai a atenção.

Ele olhou para o lado e gritou para um homem corpulento, que estava conversando com uma mulher bonita, de calça comprida azul.

— Ei, Jerry, quer arrumar-me um script?

Nicki folheou o script rapidamente. O diretor disse:

— Leia a fala de Mary Lou, na página 12. Ela é sulista, mas não queremos um tipo com sotaque sulista carregado. — Começou a afastar-se, parando alguns passos depois, para dizer: — Escute, Nicki, quero deixar tudo bem claro. Paramos de recrutar o elenco para a peça na sexta-feira passada. O único papel sobre que eu ainda estava em dúvida era o de Mary Lou. Já tinha escolhido uma atriz para ele. Mas depois me lembrei de você, por causa de uma peça que representou em Watkin Glen...

— Atuei em Voice of the Turtle.

— Foi isso mesmo. Seja como for, achei que você seria a pessoa indicada para o papel de Mary Lou. Mas não fique muito esperançosa, pois talvez não dê certo. — Ele deu de ombros, como que a partilhar com Nicki sua compreensão sobre as incertezas do teatro.

A fala da página 12 era de bastante conteúdo. Nicki sentiu que estava lendo muito bem. Quando ela acabou, a mulher de calça azul bateu palmas de leve, aprovadoramente.

— Foi muito bom, Nicki — disse Wolfe, com um suspiro. — Não vamos deixá-la esperando pela decisão por muito tempo, pois os ensaios começarão na próxima semana. — Sorriu subitamente e acrescentou: — Mas onde será que deixei minhas boas maneiras? Quero que você conheça a turma.

Ele levou Nicki até o grupo e apresentou-a, enunciando os nomes de personalidades famosas da Broadway, como se estivesse apresentando simples convidados, na sala de visitas de alguém. Nicki apertou a mão de cada um, lutando contra o rubor que sabia se estar espalhando até as pontas de suas orelhas. Ela era sempre assim, tímida e calada, na presença de pessoas descontraídas, que já conheciam as recompensas do sucesso teatral. Eram as pessoas que já estavam ancoradas, solidamente fixadas no que lhe parecia ser um oceano caprichoso e traiçoeiro. Ao sair do teatro, Nicki sentia-se como um pequeno bote à deriva no oceano. Mas as analogias marítimas que lhe ocupavam a mente desapareceram no instante em que a porta dos bastidores se fechou. Nicki viu-se de novo na sólida realidade da calçada, compreendendo, com um sobressalto, que haviam realmente gostado de sua leitura e que o papel lhe pertenceria. Virou-se e olhou mais uma vez para os cartazes do teatro.
Foi quando viu a moça morena sair do saguão e parar para olhá-la. Nicki sentiu um impulso súbito de correr até aquela desconhecida e contar-lhe toda a história de sua felicidade inesperada. Em vez disso, porém, ela se virou e seguiu para o café que havia na esquina.
Já ia tomar a segunda xícara de café quando avistou a moça morena sentada três mesas depois, olhando-a como se esperasse por um convite. Nicki sorriu, apenas um sorriso breve, que poderia ser interpretado como resultante de alguma satisfação interior ou como um convite. A moça morena certamente optou pela segunda interpretação, pois pegou
sua bolsa e levantou-se, aproximando-se de Nicki.

— Posso sentar-me?

A voz dela parecia ansiosa. Os dentes muito brancos mordiam o lábio inferior. Ela era bonita, pensou Nicki, ao estilo de Julie Harris. Mas os olhos estavam inchados, um pouco esbugalhados.

— Claro — disse Nicki, afastando suas coisas para um lado da mesinha.

— Acho que a vi lá no teatro...

— Eu estava realmente lá — disse a moça, sentando-se.

— Mas, por favor, não conte nada para o Sr. Wolfe. Sou Jill Yarborough.

Talvez o Sr. Wolfe lhe tenha falado a meu respeito.

— Não, não falou.

— Mas nem isso?

Ela forçou uma risada, que impressionou Nicki como sendo extremamente teatral.

— Você é atriz?

— Foi isso o que eu disse a eles. Eu estava sentada no fundo do teatro, durante a sua leitura. Esteve ótima. Não pude ouvi-la muito bem, pois não estava projetando a voz. Mas achei que se saiu muito bem.

— Obrigada.

Nicki remexeu-se na cadeira, inquieta, subitamente assustada com a intensidade do olhar da moça.

— Estou surpresa de que o Sr. Wolfe nada tenha dito a meu respeito, pois ele praticamente me prometeu o papel de Mary Lou, na sextafeira passada. Ouvindo-me, não dá para se perceber, mas o fato é que sou do Sul. Mas estou no Norte há tanto tempo que mal se pode perceber o sotaque. Você tinha percebido alguma coisa?

— Não.

— Esforcei-me como uma louca para perder o sotaque e agora me acontece issol Não acha que é de desesperar?

— Levou a mão enluvada aos lábios, como que para reprimir uma risadinha. Mas não havia nenhuma. — Há quase um ano que não consigo um trabalho de verdade. Um trabalho como atriz, que é o que me interessa. Quando Wolfe disse que eu era justamente o que ele estava
procurando, fiquei na maior alegria, com vontade de gritar. Mas ele me  telefonou na manhã de sábado e disse que ainda não tinha certeza se eu era a pessoa certa para o papel. Foi uma terrível manhã de sábado...

— Sinto muito, Srta...

— Yarborough. Mas chame-me de Jill. Seu nome é Nicki?

— É, sim.

— Mas eu não meti a cabeça no forno e liguei o gás nem fiz nada parecido — disse Jill Yarborough, os olhos fixados na testa de Nicki. — Mas perdi toda a alegria. Resolvi dar um pulo até ao teatro hoje, para ver o que estava acontecendo. E vi.

Nicki sentiu vontade de tocar na mão da moça, fazer alguma coisa para atenuar a dor que havia na voz dela. Mas conseguiu apenas responder, aos sussurros:

— Sinto muito. Também já passei por isso. Há oito meses que estou lutando por uma oportunidade. Mas não creio que já haja alguma coisa decidida...

Jill Yarborough soltou uma risada.

— Ora, Nicki, deixe disso! Você sabe muito bem que ele gostou de você. Não há a menor dúvida. — A risada se transformou num sorriso e ela acrescentou: — Acontece que eu sou melhor do que você. Melhor para o papel, sob todos os aspectos. 

Nicki, embaraçada, olhou para a xícara vazia. A moça morena ficou calada por algum tempo. Mas os olhos inchados não se despregaram do rosto de Nicki, que podia ouvir a respiração dela, apesar de toda a barulheira do restaurante. Depois, em voz tão baixa que Nicki precisou
esforçar-se para ouvir, a moça disse:

— Não aceite o lugar, Nicki. Diga a ele que você não pode aceitar o papel.

— Como?

— Não aceite o papel. Ligue para o Sr. Wolfe e diga que não quer o papel, que tem outro compromisso e haveria um conflito de tempo. 

Nicki ficou chocada ao ouvir as palavras absurdas, a proposta inacreditável.

— Você não pode estar falando sério!

— Claro que estou. Sou melhor do que você, Nicki. Esforcei-me muito mais. Você não merece o papel tanto quanto eu.

— Mas eu também preciso do trabalho. Você não pode...

— Não precisa tanto quanto eu. Não precisa da maneira como eu. Não pode precisar.

A moça fechou os olhos, num gesto compassivo, como uma cortina que se baixasse sobre uma janela de luz ofuscante.

— Se aceitar o trabalho, Nicki, eu vou matá-la. Por isso, Nicki, quero que me ajude. Pois irei fazer exatamente isso.

Nicki ficou espantada, empurrando a cadeira para trás.

— Vou matá-la, Nicki — repetiu. — Depois, me matarei. Há muito tempo que venho pensando em me matar. Mas dei a mim mesma uma última oportunidade. Que foi esta.
Ela abriu a bolsa. Mostrou um pequeno vidro, escuro, meio escondido por seus dedos trêmulos. Na parte inferior do rótulo, Nicki viu claramente uma caveira, com dois ossos cruzados por baixo.

— Não me pode ameaçar! — sussurrou Nicki. — Não vou deixar que me assuste e me tire...
— Não estou tentando assustá-la, Nicki. Estou apenas lhe dizendo o que vou fazer. Se disser sim a Wolfe, nós duas morreremos. Se quiser, pode contar tudo o que eu lhe falei para a polícia. Verá o que vai acontecer.

Eu simplesmente rirei e direi que você está doida.

Ela se levantou rapidamente e virou a cabeça, como para evitar que Nicki visse as lágrimas em seus olhos. Pegou a bolsa e uma das luvas, que arrancara em seu nervosismo. Depois, deixando meio dólar em cima da mesa, partiu rapidamente na direção da porta giratória.
Nicki nem pensou na decisão a tomar. O assunto foi relegado para segundo plano em sua mente, quando ela voltou para a pensão e durante a excitada conversa com Theresa, a moça com quem partilhava o quarto e as aspirações. Ela nem mesmo falou a Theresa sobre Jill Yarborough. Não ia renunciar à sua primeira oportunidade verdadeira, em quase um ano, por causa de um simples blefe.

O telefone tocou às 8:30 da manhã seguinte. Nicki atendeu.

— Nicki? Aqui é Carl Wolfe... — Ela fechou os olhos e rezou. — Se você gostou de nós, Nicki, ótimo, porque nós gostamos de você. A primeira reunião do elenco será na terça-feira, às 10 horas da manhã. Você poderá estar presente?

— Mas claro!

Nicki desligou, contornou a cama numa atitude indiferente, pegou um travesseiro e bateu com ele em sua colega de apartamento, que ainda estava dormindo.

— Acorde, sua tola! — gritou ela, extasiada. — Eu consegui o papel!

Ela se esqueceu completamente de Jill Yarborough. O trabalho de decorar o seu papel, de três páginas, fê-la esquecer completamente. Carl Wolfe, sempre delicado, mas exigente, fê-la esquecer. Um bloqueio no primeiro ensaio, seguido por uma representação triunfante, a que Wolfe, de má vontade, classificou de “quase perfeita”, contribuiu também para fazê-la esquecer os olhos ardentes e esbugalhados, o pequeno vidro escuro, a angústia e a ameaça de Jill Yarborough.

Na noite de quarta-feira, Nicki chegou a casa, de volta do teatro, às 7:30, exausta mas ainda exultante. Theresa chamara-a para sair naquela noite, pois seu namorado, Freddy, tinha um amigo que adoraria conhecer uma atriz de verdade. Mas Nicki recusara. Abriu a porta do apartamento e entrou na escuridão e na solidão que lá reinavam, com a ausência de Theresa. Despiu-se, lavou os cabelos, vestiu um roupão e acomodou-se no sofá, com um livro. Quando a campainha da porta tocou, ela foi atender, sem a menor hesitação, pois já esquecera inteiramente de Jill Yarborough. A moça estava usando um casaco preto comprido, com uma gola de pele falsa, que apertava em torno do pescoço com a mão, nervosamente.

Ela disse o nome de Nicki, que teve vontade de bater a porta. Mas não o fez e a moça entrou no apartamento.

— Não foi fácil descobri-la, Nicki. Tive de perguntar ao porteiro do teatro...

— Por favor, não crie confusão. Já está tudo acertado. Não há necessidade de fazer uma cena, Srta. Yarborough.

— Pode chamar-me de Jill.

A moça correu os olhos pelo apartamento, rapidamente, começando em seguida a tirar o casaco. Por um momento, Nicki pensou que não haveria qualquer problema. A moça parecia tranqüila, descontraída. Ela colocou o casaco em cima de uma cadeira, dizendo:

— É um apartamento bem agradável. Mora sozinha?

— Tenho uma colega que mora aqui. Ela deve estar de volta a qualquer momento.

Jill Yarborough sorriu.

— Aposto que não. Aposto que ela saiu com alguém, mas você preferiu ficar em casa. Sei como a gente fica quando está trabalhando. Nem mesmo se quer saber de homem. Não é mesmo?

— Eu... eu estava muito cansada para sair esta noite.

— Mas é claro.

A moça sentou-se, cruzando as mãos sobre o colo. Até esse momento, Nicki estivera com receio de fitá-la nos olhos. Só o fez agora, descobrindo que o brilho intenso nos olhos da moça não havia decrescido, desde a última vez em que se haviam encontrado.

— Como foi o primeiro ensaio, Nicki?

— Acho que correu tudo bem.

— Não acha que Carl Wolfe é um cara meio esquisito? Num instante ele é superdelicado, no instante seguinte está gritando como um sargenton no quartel. Já ouvi falar a respeito da maneira como ele trabalha.

— Ele é uma excelente pessoa.

A moça sorriu novamente, com uma expressão sonolenta.

— Aposto que você pensou que eu não estava falando sério. Não é mesmo?

— Você estava muito transtornada naquele dia...

Jill Yarborough pôs o casaco no colo. Enfiou a mão no bolso. Nicki, sentada na cadeira, ficou subitamente tensa. A moça tirou o vidro escuro do bolso do casaco.

— Mas eu estava falando sério, Nicki. Tinha realmente a intenção de matá-la e depois matar-me.

Nicki estava cada vez mais nervosa.

— Por favor, não vá cometer nenhuma tolice...

— Você pensou que eu estava apenas blefando. Mas eu não estava. Era a pessoa indicada para aquele papel. Sou melhor atriz do que você, muito melhor. Sabe o que há de errado com você, Nicki? — Falava em tom sonhador, quase indiferente. — Você é toda voz, Nicki, não tem corpo. Representa apenas com a laringe.

Ela revirou o vidro que tinha na mão e acrescentou, suavemente:

— Vou obrigá-la a beber isto.

Nicki contorceu-se até a beira do sofá e levantou-se, balbuciando:

— Vou gritar... Se tentar alguma coisa, começarei a gritar, até atrair todos os moradores do prédio.

— Você nã o tem o que é necessário — disse Jill Yarborough, amargamente.

— Não está disposta a lutar até o fim por um papel, da maneira como eu estou. Para chegar-se a algum lugar no teatro, é preciso ser um pouco louca. E é preciso lutar, com todas as armas, em cada degrau da escada. É por isso que eu sou melhor do que você, Nicki.

Ela tirou a rolha do vidro.

— Saia daqui! — gritou Nicki.

Jill Yarborough sorriu e levantou-se. Ela avançou, os ombros curvados, os olhos e os dentes grotescamente Brancos, no rosto sombrio e atormentado. Avançou lentamente, como uma personagem de pesadelo.

— Isto é para você, Nicki — disse ela, levantando o vidro. — Para você...

Nicki gritou.

A moça estacou bruscamente, mudando a expressão. Levou a mão trêmula à testa. O brilho de seus olhos desvaneceu-se. Depois, prendeu a respiração e levou o vidro aos lábios. Jogou a cabeça para trás e o conteúdo do vidro desapareceu rápido, descendo-lhe pela garganta. Ela engoliu em seco, dolorosamente, e deixou o vidro escapar de seus dedos, caindo no tapete. Nicki gritou de novo e cobriu os olhos com a mão. Quando tornou a olhar, Jill Yarborough ainda estava no mesmo lugar, sem se mexer, atordoada por seu gesto. Nicki, soluçando, aproxímou-se dela.

— Saia de perto de mim! — disse a moça, a voz muito rouca. — Já conseguiu o que queria! Agora, saia de perto de mim!

Ela deu um passo para a frente e seus joelhos dobraram. Segurando o estômago, ela balbuciou:

— Oh, Deus, como dói...

— Vou chamar um médico...

— Fique onde está!

— Mas tem de me deixar ajudá-la...

Jill Yarborough foi até o sofá, apoiando-se no braço. Começou a ter ânsias de vômito e caiu de joelhos. Foi nesse momento que Nicki pegou o telefone.

Os internos que cuidaram de Jill Yarborough, no quarto de Nicki, eram ambos jovens, impessoais e compenetrados. Durante quase uma hora soaram ruídos estrangulados por trás da porta fechada do quarto.

Nicki ficou sentada no sofá da sala, tremendo, à espera de uma notícia. Finalmente, um dos internos saiu do quarto. Era um rapaz de cabelos louros, encaracolados. O problema acabara e ele se mostrava mais cordial. Quando Nicki começou a balbuciar suas perguntas, ele sorriu.

— Ela vai ficar boa, inteiramente boa, dentro de mais um ou dois dias. Usamos uma bomba estomacal e lhe demos alguns sedativos. — Ele se sentou e acendeu um cigarro. — Mas tenho de fazer-lhe uma pergunta, muito importante.

— O que é?

— A moça disse que pensava estar bebendo um xarope, que tudo não passou de um equívoco. Você estava aqui na hora em que aconteceu?

— Estava.

O interno ficou olhando para Nicki, pensativo, por algum tempo, antes de dizer:

— Se ela tomou o veneno deliberadamente, teremos de comunicar o fato à polícia. O suicídio é crime neste Estado.

— Está querendo dizer que ela será presa?

— Não será tão terrível assim. Ela será enviada para uma enfermaria de observação, num dos hospitais municipais, para que possamos vigiá-la, além de submetê-la a um exame psiquiátrico completo. As pessoas com tendências suicidas não desistem na primeira oportunidade. — Ele fitou Nicki atentamente, ao perguntar: — Pode confirmar a história dela?

— Claro — disse Nicki, desviando os olhos. — Foi na realidade um acidente. Ela não tinha absolutamente a menor razão para cometer suicídio. Depois que a ambulância foi embora, Nicki telefonou para o Broadhurst, mas ninguém atendeu. Descobriu o telefone de Carl Wolfe no catálogo. Por sorte, ele estava em casa e escutou em silêncio as frases iniciais de Nicki.

— Sinto muito, mas não posso fazer nada — disse Nicki. — Terei de sair da cidade durante as próximas semanas e não poderei participar dos ensaios. Assim, acho que é melhor cancelarmos o nosso trato.

— Eu compreendo — disse Wolfe, finalmente. — Lamento muito, Nicki. Achei você a pessoa certa para o papel. Talvez em alguma outra ocasião...

— Tem alguém mais para o papel, não é? Eu não gostaria de atrapalhar nada.

— Tenho, sim, Nicki. Há uma outra candidata, a moça a quem íamos dar o papel, até você aparecer.

Graças a Deus, pensou Nicki. Ela se despediu rapidamente e desligou. Foi na ponta dos pés até o quarto. A moça ainda estava adormecida, mas remexeu-se e abriu os olhos, quando Nicki se aproximou da cama.

— Acabei de telefonar para Carl Wolfe — disse Nicki, friamente. — Pode me ouvir, Jill? Liguei para Carl Wolfe e disse que não queria mais o papel. É todo seu agora. Não o quero nem a metade do que você quer.

A voz de Nicki era extremamente amarga. Jill Yarborough sorriu.

— Sou melhor do que você, Nicki — disse ela, com suavidade. — Mereço o papel. Não acabei de prová-lo?

— Como assim?

— Quase morri — disse Jill Yarborough, rindo em seguida, asperamente.

— Você poderia engolir água e quase morrer? Era só isso, Nicki. Apenas água! Você poderia, Nicki? Poderia?

Ela se esforçou para sentar-se e Nicki recuou para longe da cama.

— Poderia? — gritou Jill Yarborough novamente, com raiva e altivez, exultante com seu triunfo.

Autor: Henry Slesar

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