quinta-feira, 24 de agosto de 2017

O Ritual



Depois do que aconteceu com o espelho, ainda me dá calafrios quando lembro daquela coisa escura passando a janela tomando rumo ao céu e sendo apagada por um relâmpago. Mas, isso não foi tão assustador quanto o que me aconteceu dias depois ao ir visitar um amigo. Daniel é um velho amigo, costumamos debater sobre as questões sobrenaturais, alongamos horas e horas nesse assunto. Ele mora pouco distante de Capela, minha pacata cidade, e para visitá-lo eu preciso da ajuda de Atal, meu velho e amado fusca.

Era manhã de domingo por volta de 9 horas, o céu continha algumas nuvens que se alternavam a sobrepor o Sol, amenizando um pouco o calor. Em frente a minha casa, famílias passavam rumo a igreja, o velho hábito das missas de domingo, eu também costumo ir, mas como esse domingo resolvi visitar Daniel, apenas cumprimentava meus conhecidos que passavam.

Costumeiramente tenho o hábito de olhar todos os detalhes possíveis a minha volta, desde a hora, a situação do tempo, número de pessoas, movimentação e etc, mas a rotina daquele momento me fez sobrepor esse princípio. Coloquei algumas coisas no Atal, conferi sua gasolina e água, então pós certificar-me que estava tudo certo, liguei o rádio do carro, coloquei meu bom e velho óculos. Como sempre, cabelo bem arrumado para trás, barba bem formada, essa era minha visão ao verificar o espelho para garantir meus últimos detalhes, por fim dei partida.

A minha velha maleta com alguns objetos e livros estava ao lado como sempre, me fazendo companhia como carona. Ao sair da cidade tomei a estrada de terra, uma paisagem agradável. O horizonte dividido ao meio por aquela estrada branca, com cercas de arame, e a paisagem típica de sertão, aquele sol alternando, e sempre que oculto por uma nuvem o vento frio passeava pelo ar. Pássaros cortam o céu, passando de um lado para outro dos pastos. É possível encontrar casas afastadas da estrada, e até ver famílias trabalhando.
O relevo então mudou um pouco, tive que dobrar a atenção, passei para uma parte da estrada onde existia algumas ladeiras. O rádio com o locutor de voz rouca, lendo cartas de suas ouvintes, tocando músicas românticas,

foi interrompido por um barulho de queda de frequência em uma baixada, logo após descer uma ladeira e iniciar outra. O estranho é que parecia que em meio ao chiado havia vozes como se estivessem agonizando. Acreditei ser reflexo do relevo. Alguns minutos depois cheguei a casa do meu bom amigo, Daniel. Foram horas boas de papo, risos, almoçamos, contei-lhe minha última aventura e por volta de duas da tarde tomei rumo de volta para casa.

Novamente, no mesmo local, ocorreu a perda de frequência do rádio, aquilo me chamou atenção. Já estava no meio da ladeira quando resolvi voltar para conferir. O Atal se deslocava de ré, todo trêmulo, como se estivesse com medo, o coitado emitia um barulho forte e irritante ao tomar a ré. Assim que cheguei novamente ao centro da baixada, entre uma ladeira e outra, desliguei o Atal, e aumentei o volume do rádio. Era possível, em meio ao chiado, ouvir gemidos e sons, como se fosse uma música sacra. Resolvi procurar uma frequência, girei o botão do rádio para um lado, para outro, e tudo do mesmo jeito, até que ao fim das frequências já quando a paleta vermelha do rádio se escondia, houve uma melhora significativa. As vozes sobrepõem o chiado e então fica bem audível.

Não era uma rádio, não poderia ser uma rádio passando aquele tipo de programação. Pessoas gemendo em meio à gente cantando música sacra em ritmo de um ritual. Nesse momento, meu princípio de observador retorna, abro a minha maleta e pego meu bloco de notas. Anoto dia, hora, a situação do clima, possível relação de coordenada, frequência do rádio, uma breve transcrição do que parece ser aquele som.
Volto a ligar Atal e engato a primeira, rádio ligado, me desloco cerca de três metros e percebo que o som é interrompido, dando lugar ao chiado pela falta de frequência. Coloco a ré, aquele velho barulho de lamentação do Atal, me desloco cerca de 8 metros desde o ponto onde estava, e nesse espaço o barulho volta e se perde novamente. Percebo que ele está naquela área de oito metros. Tento localizar o centro, vou me deslocando aos poucos com o carro, até que o som volta a ficar nítido. Saio do carro para melhor compreender minha posição. Atal está com sua frente voltada para o Sul, eu estou a olhar para o leste, quando me surpreendo

com o barulho ritmado de um grupo de cavalos. Na parte superior da ladeira, exatamente a frente do Atal, surgem três cavaleiros, os sons dos cascos ganharam intensidade na medida em que vão descendo a ladeira. Eles se aproximam, são rostos estranhos, suas faces encobertas parcialmente pelos chapéus, vestidos de preto, com uma capa escura, de luvas. Passam virando a cabeça como se olhassem para mim, mas não pude ver seus olhos, pois os chapéus não deixaram, eles não falaram nada. É costume daqueles que vão passando, cumprimentar quem encontram, mas não o fizeram. Era um clima nada amigável. Eles subiram a outra ladeira parando no topo dela e ficaram olhando para o que eu estava a fazer. Confesso que naquele momento já estava pronto para entrar nas margens da estrada para melhor entender aquela frequência, mas a presença daqueles três homens me desencorajou. Fingi que havia saído para urinar, então voltei para o carro, liguei-o e subi a ladeira. Pela inclinação não dava para ver os cavaleiros, mas eu virei o retrovisor, e eles estavam no mesmo lugar. O retrovisor tremia muito devido ao sedentarismo do terreno, e em um piscar de olhos não vi mais os cavaleiros.

Já em casa, como de costume, relatei tudo em um caderno de memória que uso para estudar as questões paranormais. Minha mente só estava voltada para aquele som, ele não me era estranho. Em minha estante havia um livro sobre magia negra, achei interessante consultá-lo para saber se tinha alguma coisa, pois o som só me remetia a esse tema.

Retirei-o da estante, passei a mão sobre o pó, e notei que na capa dura havia um símbolo, algo que só agora percebi. Era em baixo relevo. Um círculo grande com sete círculos sobre a linha do círculo maior, tendo no centro uma estrela com treze pontas, como o sol. E em cada círculo havia o símbolo dos dias da semana em calendário lunar. Abri o livro e um calafrio me veio ao corpo. Eu já o tinha lido, mas parecia que naquele momento era como se ele dissesse “precisa de mim”, sensação estranha. Comecei a ler e nada de novo, folheava mais rápido, até que notei uma palavra grifada por outra pessoa. Por ser um livro velho, nada de anormal. As palavras grifadas eram AHAV NEFESH: entregar a alma.

O texto seguia, dizendo que “no sétimo, uma semana depois era preciso entregar a alma, para que o poder não visto se fizesse visto por aqueles que podem ver”. Voltei algumas páginas para ver qual era o tema daquele assunto, meus olhos pararam, em letras em negrito já desgastadas pelo tempo, estava escrito, O RITUAL. Para uma pessoa leiga talvez ela acreditasse que fora chamada, pois pensou em ritual ao viver aquele momento lá na estrada, mas não me assustei, pois a memória é seletiva, e muitas vezes a gente guarda coisas e não nota, quando eu pensei no ritual, isso já me veio porque já tinha lido aquilo, estava em minha mente. Isso não me assustou, mas quando voltei a lembrar daquela música, e as palavras grifadas, elas eram cantadas naquela música, foi possível identificar.

Segunda-feira 8 da manhã, eu já havia tomado meu café, e estava saindo de casa para ir até o local, dessa vez mais equipado. Munido de um rádio de pilhas, máquina fotográfica, binóculo, entre outros objetos necessários. Quando abri a porta quase pisei em um filhote de cachorro de cor amarela, na verdade quase cai quando desfiz a passada para não pisar nele. Sua cara de fome me motivou a voltar e dar-lhe algo para comer. Trouxe um pouco de leite e coloquei em frente a casa, ele foi beber e eu fui para o carro.
Estava novamente na companhia daquela paisagem, mas a minha mente centrada no meu objetivo, me deixava escapar as mudanças ocorridas nesse intervalo de tempo, de ontem para hoje. É costume meu observar as coisas, e tentar identificar suas relativas mudanças em um espaço curto de tempo, treinando assim minha capacidade de observação.

Eu já estava próximo à ladeira, calafrios começaram a surgir, e ficaram mais intensos ao lembrar o que continha no livro. Estava agora descendo a primeira ladeira, a mesma que subi olhando ao retrovisor. O rádio ligado. Olhei para o relógio, nove e vinte e um. Nada de barulho. Acreditei entrar na área de frequência, pois havia medido ontem, mas nenhum sinal. Peguei o rádio de pilhas, liguei, saí do carro, e entrei na margem direita, parecia que por ali havia passado um rio por muitos anos, algumas pedras denunciavam isso. Desci um pouco mais com o rádio em mãos e nada. Voltei ao carro. Peguei meu caderno de notas, foi quando me veio em

mente que, ontem quando havia passado ali, era mais de dez horas. Resolvi esperar. Fiquei ali no carro, parado. O rádio ligado baixo. Quando ouvi distante, vozes. Desliguei o rádio e centrei minha atenção. Parecia uma marcha fúnebre. Sai do carro, franzi a testa como sinal de dúvida sem saber a origem ou a direção do som. Olhei para os lados movimentando a cabeça para tentar localizar a direção. Senti a ladainha aumentar, notei que vinha da parte norte da estrada. Entrei no carro assustado pois estavam aumentando os sons, era um cortejo fúnebre, cabeças apontam no alto da ladeira, eu travei dentro do carro.

Os vultos começam a tomar forma no topo da ladeira, meu coração acelera, coloquei a mão tremendo nas chaves do carro, a mão sobre o volante e a cabeça elevada para frente para poder ver melhor, foi quando notei que realmente era um cortejo fúnebre. Meu coração acalmou, especialmente quando o cortejo passou ao lado do carro. Eu notei no caixão havia um detalhe não muito peculiar para a região, na parte frontal havia uma cruz brilhante como se fosse de ouro, porém, estava de cabeça para baixo. Eu simplesmente sinalizava com a cabeça de dentro do carro, dando a entender que encostei ali em respeito à marcha, mas parecia não surtir efeito, eles me olhavam com desprezo. Todos aqueles rostos eram estranhos para mim, permaneci em silêncio, todos eles me olhavam enquanto entonavam sua marcha fúnebre. Eram homens roceiros, isso ficou nítido por suas vestimentas, havia algumas mulheres com a cabeça amarrada por um lenço.

Depois que o cortejo passou, voltei a ligar o rádio quase que involuntariamente, a frequência havia voltado. Sai do carro com o rádio de pilha nas mãos e andei novamente para o lado direito, visto que o Atal estava de frente para o norte, o lado direito seria o leste. Na medida em que descia, a frequência ficava mais nítida, mas havia poucas vozes, que intercalavam em frações de segundos. Olhei para trás e acredito já estava a quase cem metros de distância até o carro, foi quando vi de longe, numa parte mais baixa, uma área limpa, um círculo com sete estacas fincadas em sua volta, resolvi me aproximar mais. Peguei o binóculo, e deu para ver melhor. Era clara a associação com o que tinha na capa do livro. O deslocamento até lá era complicado de onde eu estava. Então resolvi tirar

algumas fotos mesmo distante, usei todo zoom possível da máquina, mas ficou meio turvo, tirei algumas fotos, mas pela qualidade não persisti. O rádio ainda estava ligado dentro da maleta, notei que as vozes haviam aumentado, mas ao olhar para o local não havia ninguém. Desliguei o rádio e resolvi voltar para o carro, pois o havia deixado aberto, alguém poderia mexer em alguma coisa. Quando virei, lá estavam os três cavaleiros cercando o carro, eu me abaixei, peguei a máquina para fotografar, mas o nervoso não me ajudava, eu posicionei a máquina, dei um zoom para melhor vê-los. Eles andavam em volta do carro, olhando para dentro dele e depois seguiram. Eu, com dificuldade, consegui bater uma única foto, pois quando apertei o botão da máquina, ele emperrou um pouco e acabou demorando para acionar. Fiquei observando, eles subirem a ladeira, a minha visão estava atrapalhada em meio às árvores que haviam ali.
Desloquei-me agachado para o carro, olhei para o topo da ladeira para ver se eles estavam lá, não havia ninguém. Entrei no carro, bastante assustado, liguei o Atal, tinha que fazer a volta ali, pois sabia que Atal não subiria aquela ladeira de ré. Manobrei com um pouco de dificuldade e comecei a subir a ladeira para voltar para casa, ajustei o retrovisor como da outra vez para ver se havia algo, e me deparei com a imagem trêmula pelo balançar do carro dos três cavaleiros lá no topo da ladeira me observando.

Quem eram aqueles homens? O que estava acontecendo naquele local? Eu precisava saber disso. Ao chegar em casa o cão ainda estava deitado à minha porta. Sai do carro e ao me ver ele se levanta balançando o rabo, não pude resistir a tamanha recepção, fazia tempo que não era recebido com tanta festa, acredito que minha presença nunca foi tão importante para alguém. Arrumei um companheiro, teria que colocar um nome nele, mas naquele momento não estava com cabeça para isso.

Voltei a centrar minha atenção ao que tinha ocorrido. Fui ao quarto de revelações para poder ver como tinham ficado as fotos. Enquanto as fotos iam sendo reveladas, eu tentava imaginar um nome para o cão, para esvaziar um pouco a mente. A essa altura ele dormia, já havia se alimentado, era apenas um filhote. Sem sucesso para escolher o nome,
voltei para ver as fotos, e meu coração bateu forte quando olhei a primeira. Ela mostrava o centro de ritual, porém diferente do momento em que tirei a foto, ele está com pessoas, cerca de 12 pessoas em círculo com uma fogueira ao centro, isso não existia quando tirei a foto, é impossível. Fui olhar as outras e todas elas mostravam pessoas. Não tinham essas pessoas, como pode ser isso? Já na foto dos cavaleiros próximos ao carro aconteceu o contrário, só tinha o Atal, meu fusca, não havia cavaleiro nenhum na foto. Será que estou ficando louco? A questão é que em estado de alteração emocional a gente pode não ver ou acrescentar coisas, isso é muito comum, por exemplo, quando se está assustado uma sombra pode ser um fantasma.
Terça-feira, e eu não havia dormido bem, a noite foi acompanhada por um soprar de ventos agitados, aquilo me incomodava. Levantei-me da cama ainda bocejando, abri a porta do quarto que dá para a sala e para minha surpresa a porta da casa estava aberta, claro que fiquei muito assustado. “Fui roubado!”, pensei, mas para minha surpresa não estava faltando nada. Capela é uma cidade pacata, costumamos dormir com portas e janelas abertas em época de verão, mas quando você fecha a porta à noite e pela manhã ela está aberta, é algo muito suspeito. Tomei meu café na companhia do jovem Amarelo, foi o nome que escolhi para o cãozinho.

Depois do café fui pegar as fotos para dar uma olhada, e para minha surpresa, as fotos haviam sumido. Isso justifica a porta aberta. Mas por que alguém entraria para roubar fotos?

Organizei-me para voltar ao local da frequência, desta vez um pouco mais prevenido, não gosto de armas de fogo, pois elas não tem efeito nenhum sobre o que estudo, mas sobre coisas que abrem portas e roubam fotos podem ter. O sol estava maravilhoso, como sempre. Eu jamais reclamo da vida, adoro tudo que o tempo oferece, sol, chuva, vento, mas aquela manhã estava realmente convidativa, não havia nenhuma nuvem no céu, um manto azul estava estendido. O sorriso dos vizinhos e os comentários eram prazerosos.
- Bom dia, senhor Adonias, que dia lindo, não acha? – perguntou um vizinho, senhor João, um velho de cabelos e barbas brancos, que de costume molha as plantas no seu jardim na frente da casa.
- Bom dia, senhor João, está sim, muito bonito! – Trocamos um modesto sorriso e eu me dirigi para o meu carro. Quando entrei nele comecei a lembrar do que havia passado, porém o que mais me intrigava, era como aquelas fotos haviam sumido.

Lá estava eu mais uma vez naquela estrada, centrado no que poderia encontrar pela frente. Ao chegar à ladeira coloquei o rádio na frequência, mas não houve nada, apenas o chiado da falta de sinal. Mexi e nada. Desci do carro, coloquei a minha capanga ao lado, dentro dela a arma. Nas mãos o rádio de pilha, ao pescoço minha máquina fotográfica. Desloquei-me até o local onde dava para ver o centro onde acredito ser prática de ritual. Nesse momento o céu já estava com algumas nuvens, e o vento se fazia presente. Na mesma localização de onde tirei as fotos, lá estava eu olhando para aquele local, agora sem estacas, largado. Parecia abandonado já fazia muito tempo. Eu agachei e fique observando como as coisas mudam da noite para o dia, e pensado “Por que roubaram aquelas fotos? O que está acontecendo?” Por um instante o som do vento é cortado por passos se aproximando, quando olho para trás, lá estão os três cavaleiros. Me levanto, coloco a mão na sacola, meus dedos trêmulos tentam firmar a arma.

- O que vocês querem?... Quem são vocês? – Pergunto.

- O mesmo que você quer – Responde o cavaleiro do meio.

- Como assim o mesmo que eu...? como assim...? – Eu tentava impor uma falsa segurança.

- O que você viu aqui não pode ser conhecido por ninguém...

- Mas quem são vocês?... E o que eu vi? Não lembro de ter visto nada de anormal. Há não ser vocês, que não mostram suas faces – Nesse momento já estava firmando a arma dentro da sacola.

- Somos os guardiões da ordem, nós caçamos espíritos e os prendemos no abismo, sei que não vai acreditar, conhecemos você jovem caçador. Ligue o seu rádio para ver o que vai acontecer – Para ligar o rádio eu teria que soltar a arma. Olhei para eles, parados, pareciam não oferecer risco, então o fiz, soltei a arma e liguei o rádio, e lá estavam as vozes, agora com risos, gritos, gemidos, o som nunca esteve tão nítido. Um calafrio me comete da cabeça aos pés.

- Esses gritos e gemidos estão dentro da gente – Como assim dentro deles? – Por isso que não pode ver o nosso rosto, não durante o dia. Durante a noite pode mas de dia apenas nossa boca, pois nossos olhos são a porta da prisão. Aquele funeral que você viu é um ritual de perdão. Quando um espírito vai ser perdoado nós acompanhamos o ritual de perdão dele para que ele possa voltar e ter uma outra oportunidade. Kardec já ensinou sobre isso. O caixão com a cruz para baixo não continha nada, as pessoas que você viu ali, não existem, são espíritos condutores, eles levam o caixão, o símbolo de guardião da morte, o fazem como penitência para que possam ter a sua vez. Já para nós, eles precisam mostrar que o espírito foi julgado e nos convidam a ver a marcha. Então, ao receber a mensagem, nós viemos até aqui exatamente no local onde o espírito perdeu seu corpo para acompanhar a marcha, são sete marchas, em sete semanas – Eu continuava com o rádio ligado, mas estava baixinho agora pois as pilhas estavam ficando fracas.

- Foram vocês que estiveram ontem a noite em minha casa?

- Não, alguém sempre estava com você desde que começou a se envolver com o assunto – Foi então que me veio a mente o cachorrinho – Não se preocupe, sabemos que não acredita nisso, então não vai mudar muito o que pensa, e que também não vai contar para ninguém o que viu, pelo mesmo motivo. Mas cuidado, o mundo dos espíritos pode não ser nada do que vocês humanos pensam. Caçador, nos veremos novamente – Uma coisa não era comum, eu notei que no bolso do casaco dele havia algo, parecendo uma ponta de fio branco, seria um transmissor de frequência? Depois que terminaram de falar eles se afastaram e foram até seus cavalos, montaram e saíram.

O rádio ainda chiava baixinho, coloquei no ouvido e não tinha mais nada de estranho. Voltei para o carro, entrei, liguei o velho Atal. A minha viagem de retorno foi apenas de análise, ignorei totalmente a velha paisagem e o tempo. Será que aquilo que aqueles cavaleiros disseram tem algum sentido? O cão, as fotos, os espíritos, o ritual. Lembrei-me que o filme negativo das fotos estava guardado.

Cheguei em casa, abri a porta e lá estavam aqueles olhos cintilantes e aquela cabeça amarela erguida, mais uma vez me recebeu com alegria. Fechei a porta com o ferrolho como de costume. Peguei o filme na gaveta e fui revelar novas fotos. Depois de alguns minutos, eu estava no sofá, com duas fotos em uma das mãos segurando apenas com as pontas dos dedos, uma do lado da outra, e a outra mão acariciando o pelo macio do Amarelo no colo. Pude notar que na primeira foto do centro do ritual não eram pessoas, apenas uma distorção nas estacas, e não era fogo, um reflexo da luz do dia parece ter atingido a lente da câmera. A outra foto que tirei dos cavaleiros ainda me arrepia, pois eles não estavam nela, no entanto uma coisa é bastante comum, nem sempre as máquinas conseguem capitar a imagem no momento exato, retardando assim sua captura, e poderia ter sido o suficiente para que eles saíssem, pois no canto esquerdo da foto dá para ver a sombra da pata e do rabo de um dos cavalos. Quanto à porta aberta, o vento me deu a resposta, a porta que eu havia colocado na fechadura quando entrei se abriu com o chocalhar do vento, mas uma coisa não se justifica, para onde foram aquelas fotos?

Eu até voltei ao local, mas nada de estranho dessa vez, há somente uma coisa estranha, no banco carona não estava mais minha maleta, apenas um cão amarelo dormindo, meu novo companheiro e em minha mente a voz rouca daquele cavaleiro dizendo que nos veríamos novamente.

Fonte: Livro "O Caçador de Paranormalidades"

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