quinta-feira, 24 de agosto de 2017

O Espelho



Algumas pessoas não acreditam em magia negra, espiritismo, exotismo, coisas assim. Mas algumas das minhas aventuras, até hoje, ainda não são entendidas. Incógnitas, interrogações que por mais que se tente, parece impossível conseguir a resposta. Ah! meu perdão, não me apresentei, meu nome é Adonias, sou um caçador de paranormalidade, adoro lidar com o sobrenatural, mas confesso que não sei dizer se é real ou não tudo isso. Bem, como estava dizendo, já me deparei com muita coisa estranha, mas hoje vou contar pra vocês sobre um espelho, é um espelho, a minha primeira aventura de muitas, vem comigo.

Era 4 de setembro de 1873, um terça-feira. Ouvi boatos de que algo estranho, sobre uma família e um espelho estavam acontecendo em um povoado próximo a cidade onde moro, Capela do Alto Alegre, e minha curiosidade por coisas sobrenaturais me moveu até lá. Sem medir esforços e fomentado por minha curiosidade, sabendo que esse seria meu primeiro caso, entrei no carro e tomei destino ao povoado de nome Ipiraí.

Era um local meio obscuro, e com aquele clima de chuva, reforçava ainda mais esse aspecto. Fazia frio, era justamente nove e meia da manhã, e eu já estava lá. Ao chegar-me encontrei uma senhora, ela estava a varrer a frente da casa, o que costumam chamar de terreiro. A sua vassoura feita de palha, trabalho artesanal, dava um requinte a poeira que subia escassamente devido a terra molhada por garoas recentes. Tentei introduzir uma conversa pra poder sondar alguma coisa perguntando-lhe se sabia algo sobre uma família e um espelho. Com um olhar desconfiado por nunca ter-me visto, acredito, apenas disse que tinha um boato sobre um espelho, mas que era tudo que sabia. Repentinamente virou-se e se dirigiu até sua casa entrando e batendo a porta.

Continuei a seguir pelo povoado e avistei uma padaria, como havia comido pouco, resolvi ir até lá tomar um café e sondar alguma coisa. Na medida em que me notava ali naquele local me vinha uma sensação estranha, eu sempre li muito sobre o sobrenatural, mas nunca tive contato com algo assim, e esse seria meu primeiro contato, confesso que estava entre o êxtase e o pavor do inexplicável.

A padaria parecia um lugar aconchegante, bem arrumado, limpo, um contraste em meio a todo aquele ar misterioso que cercava o povoado. Fui recebido de forma diferente da senhora que varria a frente da casa. Uma bela moça, com um belo sorriso, dirigiu-se até a mim dispondo-se a ajudar-me. Fui elegante, claro! Aceitei a sua ajuda. Sentei-me em uma mesa enquanto ela buscava um pouco de café com leite, foi tudo que pedi.

Quando ela chegou convidei para que se sentasse um pouco, já que só havia eu de cliente para ser atendido. Ela aceitou e começamos a conversar. Perguntou-me o que havia me levado até ali, pois não era um rosto comum no local. Contei-lhe da minha fascinação pelo sobrenatural, e que havia sabido de um boato sobre um espelho que remetia a este local. Ela confirmou o fato e me deu alguns detalhes.

“É verdade”. Disse ela completando. “Aqui tem um homem chamado Mateus, ele é um senhor rico, e recentemente comprou um casarão velho e reformou todo. Nesse casarão há um porão que foi achado por acidente quando se fazia a reforma. Ele não quis que ninguém mexesse no local, e o deixou trancado. Certo dia, ele e sua filha resolveram dar uma olhada no que havia lá. Entraram e começaram a mexer nas coisas. 

Muita coisa antiga, fotos, vasos, copos. Mas nesse mexe-mexe, havia numa prateleira, um espelho. Ele tinha notado, mas sua filha quando estava mexendo nas coisas não havia visto, e por acidente acabou derrubando o espelho. Ele até gritou antes para ela ter cuidado, mas não adiantou, o espelho caiu. O estranho nisso tudo é que ele não se quebrou. O porão é um lugar escuro, o espelho estava bem empoeirado e não havia reflexo. 

Então Mateus, admirado pelo espelho na se quebrar, passou a mão para tirar a poeira só pra conferir se não havia quebrado nada. Procurou um local com um pouco mais de luz, e ao olhar no espelho viu algo que não posso dizer, por tradições que temos, não posso dizer o que ele viu. Mas confesso que não foi algo bom, pois ele jogou o espelho no chão e caiu tremendo. Sua filha correu pedindo ajuda, mas quando voltou ele já tava na porta, tava meio estranho, não sorria, cabeça baixa e muito sério. Disse que já estava tudo sob controle e pediu pro povo ir embora. Desde então pouco se tem visto ele. Algumas vezes ele aparece na janela e é tudo que sei!”.

É estranho não é? Confesso que me arrepio até hoje, quando recordo estas palavras, pois o que estava por vir, era algo realmente assustador. Mas o que será que este homem havia visto naquele espelho? Bom, agradeci a ela pela gentileza, paguei o café e lhe dei uma gorjeta e, claro, perguntei seu nome. Margarete! Gosto desse nome.

Fui procurar a casa do Mateus, precisava falar com ele, mas pelo que a Margarete havia me dito, seria uma tarefa difícil ter contato com ele.

Encontrar a casa não foi difícil. E lá estava eu de frente para um portão enorme, uma sensação estranha arrepiava meu corpo, em meio aquele frio de setembro. Uma senhora ao me ver, veio até a mim, e disse: entre Senhor estamos lhe esperando! Meu coração bateu tão rápido que quase não sabia o que fazer. Me esperando? Como assim? – Pensei. Mas não podia perder a oportunidade.

O zumbido do vento nas árvores do jardim da casa, assustava, me fazia recordar algumas leituras que havia feito. O barulho das portas ao se abrirem. Portas velhas fazem muito barulho, e assustam! Bem, logo me vi no meio da sala daquele casarão, a família reunida esperava alguém.

Convidaram-me pra me sentar. E disseram:

“Pastor, estamos muito preocupados com tudo o que está acontecendo, como lhe contamos pela carta tudo que houve, creio que o senhor já saiba do que se trata e que já tem algo pra nos ajudar, pois não sabemos o que fazer.”

Eu não gosto de mentir, então não confirmei que era pastor, no entanto, também não disse que não era. Apenas conclui dizendo que já sabia do que se tratava, mas que precisava de mais detalhes. Perguntei-lhes onde estava o espelho. Eles em disseram que já havia tentado quebrar o espelho de todo jeito, mas não conseguiram, e que duas pessoas da casa haviam olhado no espelho e ficaram loucos. O Mateus e um empregado.

Pedi pra me levarem até o espelho. Bom, o que você vai ler agora, peço que leia devagar, que esteja sentado, e que fique calmo. Vou descrever em detalhes tudo.

Abrimos uma porta que dava para o quintal, o porão fica nesse quintal. Um local com muito mato, erva daninha, muitos insetos. Abrimos a porta do porão, a porta era velha, muito velha pra ser mais específico. Parecia ecoar um som misterioso daquele lugar, o escuro ia se fragmentando aos poucos. Ainda estávamos na porta. Entramos, alguém acendeu uma luz. O cheiro de mofo era extremamente forte. O local estava mais arrumado do que o imaginei quando a Margarete me contou o caso. A filha que estava com ele pegou o espelho, e me recomendou que não olhasse para ele, a não ser por trás. Ele estava todo envolto de um lençol. Fui desenrolando vagarosamente. Cada volta que eu retirava, passos se aproximavam do portão da casa.

Como numa câmera lenta, eu retirava o lençol e a mesma moça que me atendeu, estava atendendo a um senhor vestido de preto no portão da casa.

Logo chegaram ao porão, e ela gritou - Esse não é o pastor Elias! Ficaram todos assustados. O pastor entrou com a moça. Então perguntaram quem era eu. Eu lhes respondi que era alguém que poderia muito ajudá-los. Perguntaram meu nome, para causar um pouco de mistério disse-lhes que não podia dizer o nome agora, mas que iriam saber depois.

Alguém disse haver desconfiado de que eu não era pastor pois não estava com a Bíblia. Eu apenas disse que tínhamos algo pra resolver e que discutir qualquer coisa naquele momento não ajudaria em nada, há não ser se discutíssemos sobre o espelho.

O pastor disse que não precisava de ajuda de ninguém. O tom de voz dele mostrava o quanto estava chateado, pois foi bem arrogante. Eu lhe disse, se confia tanto no que sabe, então pode olhar no espelho e não acontecer nada. Faça isso pastor, e mostre que tem o poder de mudar tudo isso aqui. Sua postura de todo poderoso não se manteve por muito tempo. Não sabe com o que está lidando pastor, isso aqui é algo muito sério. Aproveitei a oportunidade para pressionar a sua dúvida. Nem mesmo eu sabia com o que estava por vir.

“Eu fui convidado, não você!” Disse ele tentando contornar a situação. “ E quem é você?”. O pastor parecia estar preocupado com o status religioso dele, mais do que com a família ali. Eu lhe disse que nem sempre havia resposta paras perguntas que fazemos e que não pretendia tornar aquilo uma questão pessoal, que o meu objetivo ali era resolver o problema. Mas já que ele era tão presunçoso e seguro na fé que olhasse no espelho. Novamente ele recuou.

Ao terminar de desenrolar o espelho notei que no fundo havia um escrito codificado, coisas que aprendi em minhas leituras. O escrito chamava o espelho de prisão. Fiquei muito curioso em olhar o que aparece ali, mas o enrolei novamente no lençol e disse, vamos até o Mateus e outro rapaz. A família tenteou relutar, mas a esposa do Mateus disse, já que é pra ajudar que me deixassem ir, lhe agradeci pela confiança.

Chegamos no quarto do Mateus, ficamos na porta e o pastor disse que iria orar. Baixamos a cabeça e ele proferiu a oração. Éramos em numero de 5, depois que o pastor chegou. Depois da oração abriram a porta. Mateus estava com os olhos arregalados e babando, estava nu. O pastor pediu o espelho, lhe dei. Ele desenrolou, segurando para baixo e apontou de vez para o Mateus, que começou a dar risadas macabras, muita risada, assustava. E com uma voz grave disse: È isso que você tem pra fazer pastorzinho?. Arrebatou o espelho da mão do pastor e apontou em sua direção. O homem infelizmente é vencido pela curiosidade, pois era só fechar os olhos, mas o pastor não o fez.

Seu semblante era apavorante depois de olhar o espelho, ele caiu dando convulsões e babando enquanto todos corriam, assisti a tudo um pouco inquieto. Eu estava na porta do quarto, e atrás da porta ficava a Janela por onde Mateus aparecia de vez em quando, ela estava aberta. Ele virou o espelho de vez e minha direção, fechei os olhos, quando ouvi um gemido estranho, não resisti e abri, Mateus estava com o espelho na mas, não mais em minha direção. Saia fumaça do espelho. Foi ai que notei como resolver tudo. Então desafiei ele.

Mateus! aponte o espelho para mim! Eu me afastei um pouco para fora do quarto, ele olhou-me com aquele olhar de ódio. Mantive minha serenidade e postura. Repeti pedindo que ele apontasse o espelho para mim, mas ele apenas respirava forte. Então gritei – Aponte o espelho para mim covarde, aponte!!! Ele sem medir esforço o fez, bom, o que vi naquele momento foi muito assustador, vi pessoas agonizando, gritando, gemendo, rostos desfigurados, um após outro se trocavam no reflexo do espelho, vi o ódio, angustia, a tristeza, a dor, senti meu corpo todo gelar. Pareciam que queriam sair dali. Vi em cada rosto que apareceu no espelho um traço de cada coisa ruim que existe. Mas logo ele recolheu o espelho novamente dando um grito bem alto. A luz do sol havia queimado o espelho. O povo voltava devagar assustado, eu estava bem. 

O pastor estava agonizando no quarto, babando com convulsão. Mateus gemia como se sentisse dor e eu ali sério e nessa altura já me sentia destemido. Já havia lido muito sobre coisas desse tipo, a minha mente estava treinada para ver coisas assim, pois eu mesmo já havia imaginado muita coisa pouco parecida, mas o real é assustador.

Perguntei ao pessoal se depois do que havia acontecido com Mateus ele tinha olhado em outro espelho, disseram-me que não, que ele reluta em até mesmo ver a luz do dia. Pedi para que buscassem um espelho para mim. O fizeram. E La estava eu diante de algo que não fazia idéia, tendo uma noção de que poderia fazer acontecer alguma coisa com o outro espelho, pois a liberdade da prisão da escuridão é a luz. Gritei bem alto: covarde, olhe para mim!!!. Mateus olhava por baixo, um olhar maligno. Eu segurava o espelho na mão como uma espada. O vento frio pela janela, e o sol que havia pouco tempo tinha aparecido dava um sensação de arrepiar. Pedi que tirassem Mateus do quarto. Dois empregados que cuidavam dele o fizeram com dificuldade, pois ele relutava. Mateus agora babava assim como o pastor.

Eu disse olhe para mim Mateus! olhe! E quando ele olhou, apontei-lhe o espelho. Seus olhos se arregalaram, ficaram pretos, todo preto, seu corpo tremia, e ele olhava atentamente para o espelho, sal boca aberta ao extremo, ele colocou as mãos nos ouvidos e tremia, sua língua toda preta, sua face ia escurecendo enquanto ia ajoelhando até que desmaiou. O outro espelho estava no chão do quarto, Mateus havia deixado cair.
Pedi para trazerem o pastor, o mesmo fiz até o pastor desmaiar. Peguei os dois espelhos e coloquei um de frente para o outro. Céus!!!... Nunca vi algo daquele jeito. A medida que o espelho amaldiçoado tremia, o Céu se escurecia, raios, e trovões repentinos, o espelho tremendo diante do outro, eu já não conseguia segurar quando de repente uma criatura, um vulto escuro, saiu do espelho tomando a janela, uma coisa como uma fumaça negra. E assim que saiu, o espelho que era inquebrável soltou-se da minha mão pois não já conseguia segurar mais e se desmanchou em pedaços ao chão e no mesmo momento virou pó. Corremos para janela para ver, e entre as nuvens negras ia aquela coisa voando quando um relâmpago bem forte clareou tudo e vimos aquilo se desmanchar no ar dando um grito bem agudo que ecoou sobre todo o povoado. Era o grito final. A chuva começou logo em seguida, uma chuva forte orquestrada por relâmpagos e trovões, nesse ínterim o Mateus e o pastor acordavam, estavam bem e tudo voltando ao normal.

Depois de tudo contei-lhes quem eu era, eles me agradeceram e me ofereceram uma quantia em dinheiro, evitei, pois eles me permitiram ter a minha primeira experiência com o sobrenatural. Assim que a chuva acalmou, voltei para pegar meu carro e ir para casa. Mas resolvi passar na padaria pra me despedir da Margarete. Ao chegar lá ela me disse que ouviu os gritos e que viu algo estranho sair da janela da casa. Eu disse que tudo agora havia voltado ao normal. Despedir-me dela e segui meu caminho, som do carro ligado, a chuva apenas respingava o para-brisas quando me dei conta de que outra pessoa havia olhado para o espelho.

Na casa todos também haviam esquecido do rapaz, e quando correram para o quarto onde ele ficava, a porta estava aberta e não havia mais ninguém. Bom o que aconteceu depois disso não sei te dizer, mas aquela velha com quem eu falei logo que cheguei no povoado ainda me causa arrepios.

Fonte: Livro "O Caçador de Paranormalidades"

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