quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A Máscara Do Mau


Um domingo como outro qualquer, talvez um pouco nublado, cinza.

Roberto e a família: o filho caçula Mauro, a filha adolescente Roberta e a mulher Lidia, resolveram passar o domingo na casa de praia da família, ele tinha uma surpresa de amor, o Engenheiro festejava o aniversário de casamento, porém em uma escolha surpreendente a mulher preferiu passar na casa de praia de praia, herança dos pais dela.

Roberto odiava aquela casa, anos atrás ocorreu um evento muito triste, Lidia e ele era simples namorados, um evento que ele queria esquecer para sempre, estranhamente isso não afetava a mulher que adorava a casa, eles nunca se entenderam sobre a casa, recentemente um amigo da família, senhor Conrado fez uma proposta e Roberto esperava a decisão de Lidia.


- Não Beto, não quero festeja com ninguém, estou com um aperto no coração, queria passar com a minha família e minhas lembranças, se formos vender a casa eu quero passar o nosso aniversário de casamento aqui, mesmo se o tempo estiver nublado.

Sábado desceram a serra, na madrugada, como Beto gostava de viajas, chegando a praia domingo pela manhã, para a tristeza de todos o tempo estava muito nublado e chovia abundantemente, ar pesado de chuva morna consumia a energia das pessoas.

- Que merda! Por que Lidia escolheu a praia, ela sabe que não gosto daqui e logo em um dia de chuva, esse lugar está deserto? – disse Beto como se tivesse um interlocutor interessado nas suas palavras, o anel de brilhantes estava no bolso esquerdo, apesar da capa já estava todo molhado.

O local ficava em uma colina, dava para ver o mar cinzento da varanda mosqueado pela chuva intrusa, o local estava, deserto desprovido da vida as pessoas, da energia de um dia de sol, um palco para a morte e o mal.

- Olha isso gente, uma máscara– disse Mauro.

Os olhos de todos se voltaram para o garoto, molhado pesadamente pela chuva, segurava na mão um objeto grotesco, uma máscara de plástico, parecia ser de carnaval, porém sem a alegria da máscaras carnavalescas, estava suja de terra molhada e batida, feita de um plástico mole, tinha elástico para predê-la na região posterior da cabeça, o objeto grotesco trazia desenhado em cores vermelhas a horrenda
figura de um demônio.

- Dante...é Dante, claro que é. – disse Mauro.

- Quem é Dante? – perguntou Beto, olhando a criatura desenhada na máscara.

- É um personagem fictício e o protagonista principal da série de jogos eletrônicos Devil May Cry criada e publicada pela Capcom. Nos primeiros quatro jogos, Dante é um mercenário e caçador de demônios, dedicado a pôr-lhes um fim e a outras forças malignas sobrenaturais, uma missão que ele faz no sentido de perseguir aqueles que lhe assassinaram a mãe e corromperam-lhe o irmão Vergil. Dante é filho de Sparda, um demônio de grande poder, e como resultado dessa herança possui numerosos poderes que vão para além de qualquer humano, que ele usa em combinação com uma variedade de armas para realizar os seus objetivos. – Disse Roberta, depois deu uma gargalhada que assustou o pai e a mãe, e continuou – Alguma porcaria de japoneses.

-Larga isso, que coisa horrível! – disse Roberto estranhamente irritado.

-Quero ficar com ela pai, para a minha coleção de coisas perdidas – disse Mauro.

-Não falei que esse garoto é esquisito? – falou Roberta, que era a única que parecia mais seca, cabelos presos e botas longas, muito bem protegida pela capa, a adolescente que foi a primeira a subir as escadas de pedra, talvez somente ela tenha percebido a sombra escura de um homem que sorria ao ver a família chegar, talvez a uma ilusão de Roberta; Correu toda a varanda, tinha certeza de ter visto algo, foi até a varanda do outro lado e espiou tentando forçar a visão através da chuva, perto do curral, ou era uma sombra, estava tão longe, achou que era coisa da sua cabeça e desistiu – que viagem idiota, isso parece mais um cemitério – completou.

A briga sobre a máscara continuava.

- Deixa Beto, quero esse feriado sem brigas – disse a mulher – é um personagem de jogos, santo Deus! Deixe o menino ficar .

O menino limpou a lama e guardou na bolsa.Olhou em volta e sorriu, falou baixo, pois sabia que seria ouvido.

-Sei que está ai. – O amigo de todas as vezes que veio na praia, só ele sabia da paixão de Mauro por Dante.

A chuva era torrencial, incomum para aquela época do ano, Mauro já estava sentado na poltrona com o videogame, a filha Roberta procurando um local melhor para falar no celular com o namorado, sussurrava uma série de palavrões.

- Por que a gente veio aqui, não voltamos aqui desde a morte da vovó? – perguntou Roberta – o lugar mete medo, pede para o papai olhar na direção do curral, acho que vi alguém lá.

- Nessa chuva – falou Beto – se tiver alguém lá espero que pegue uma pneumonia, e desligue o celular, sabe que não gosto dessa historia de namoro com o menino de cabelos espetados.

- Gente! Vamos ter um pouco de paz – disse Lidia.

- Paz?É difícil ter paz quando a sua liberdade é retirada e você sugada para um passeio, em uma praia deserta com chuva e ainda por cima com seus pais e o retardado do seu irmão caçula que gosta de conversar com amigos imaginários– disse Roberta e foi para o quarto.

Mauro abriu e fecho a porta da sala e sentou com ar de tristeza no sofá da sala, Roberto foi até ele,depois de perceber que o filho estava todo molhado.

- Por que foi lá fora?Com aquela coisa novamente – Beto virou-se para Lidia – o psicólogo disse que ele estava melhorando – ela não respondeu, talvez porque estivesse fora de alcance retirando a boca molhada, Beto olhou para o filho esperando uma resposta dele, acrescentou – o que foi fazer lá fora?

- Ele veio buscar a mascara – disse Mauro.

- Desisto – disse Beto, entrando no banheiro para retirar a roupa.

- Ele disse que era Dante e aquela mascara era dele – disse Mauro, que aos sete anos tinha uma fascinação por objeto e coisas sobrenaturais, principalmente relacionados com jogos – tive que entregar, ele é meu amigo pai.

- Não abra essa porta sem o consentimento de um adulto – disse Roberto e depois fechou a porta com chaves.

A volta seria na terça, Lidia continuava com aquele aperto no coração. A noite falou com Roberto.

- Tem alguma coisa me afligindo, uma sensação ruim – disse na varanda com uma cerveja na mão.

-Deve ser aquela máscara horrorosa, e essa historia de amigo imaginário – disse Roberto, estranhamente nervoso - Agora, estamos tão bem financeiramente, o dinheiro, nossas coisas toda certa – ele tirou o anel diamante do bolso – Para que esse tempo dure para sempre.

Eles estavam na varanda, à chuva era intensa, cortante, fazia um barulho musical, porém sombrio, Roberto amava a esposa, olhou para baixo, dois quilômetros em direção ao mar havia uma casa de tijolos, agora abandonada, no entanto com uma triste historia para contar, olhou para a mulher e perguntou.

- Lembra-se daquela casa? O que aconteceu ainda me assombra... – apontou com a mão a casa.

- Acho que superei, não podemos controlar todas as tragédias da vida

– ela passou a mão na cabeça dele e disse – não teve culpa, foi um acidente.

- Ela só tinha quatro anos, você sabe que o aniversário dela é amanhã – ele olhou bem para a mulher e perguntou – por que voltamos aqui, não gosto desse lugar.

- Decide vendê-la – ela olhou para o mar – vou sentir falta daqui, por isso resolvi passar o ultimo final de semana nesta casa, resolvi aceitar a proposta do Sr. Conrado.

Roberto sorriu e beijou a mulher.

- Eu amo você, nós seremos mais feliz sem esse lugar. – disse Roberto.

Ela chorou, se abraçaram e novamente entendiam por que se escolheram. O homem havia assistido tudo, até o momento que entraram no quarto, entrou na casa e segurou a mascara que o menino achou, firme, entre os dentes um ódio que não morre, o menino havia crescido, ele estudou tudo sobre eles, tudo, cada detalhe. Ele sabia que todos estavam dormindo, então tudo seria muito fácil, como sedar imobilizar e prender a família que odiava.

- O que é isso? – Perguntou Roberto, que estava amarrado e era o único que não estava amordaçado.

O homem com a mascara do demônio olhou para ele, a máscara escondia meia face, o queixo do homem e a cicatriz horrível que partia o lábio superior no meio, junto com uma fileira de dentes podres amarelados pelo cigarro.

Ele gritava palavras que ninguém entendia, estava eufórico, então começou a falar.

- O inferno chegando até você Sr. Roberto- com o revolver na mão e bem próximo de Roberto falava e gesticulava – ficou rico, criou bem os filhos, principalmente o menino – disse e se aproximou, tão próximo que Roberto podia ver que todos estavam amarrados e sentados em uma cadeira, em fila indiana, Roberto era o primeiro e o seu filho o último.

-Se é dinheiro o que quer....Eu tenho, posso dar para você, não machuque a minha família.

-Dinheiro, acha que uma pessoa distinta como eu quer dinheiro?

O homem chegou bem perto de Roberto, sua proximidade contaminava a respiração, seu halito de nicotina era áspero e carregado, colocou a arma na cabeça de Roberto e deu uma gargalhada, fragmentos de saliva inundaram a metade esquerda da face de Roberto.

- Ricos e a sua forma de viver, conseguem comprar tudo, não estou aqui pelo dinheiro. Na vida existem coisas mais importantes que o objeto do desejo da compra, dinheiro, viagens, objetos e mulheres, que felicidade, não? No mundo cheio de posses! Não. Não foi para isso que vim, eu estou aqui para
o acerto de contas do demônio, do demônio que consome a minha alma, entende? Lá(no inferno) - ele apontou para baixo – a moeda é outra.

- O que você quer? – gritou desesperado Roberto.

A mulher de Roberto começou a chorar, o homem correu até a mulher e colocou o revolver na testa dela e disse palavras lentas, diante da proximidade dele ela jogou o corpo para trás e a cadeira caiu, então o homem horrível gritou ajeitando a cadeira.

- Cala a boca, só isso que peço, ai vamos ver se o cara te ama mesmo.

– Ele deu uma gargalhada e voltou-se para Roberto – tem que escolher senhor Roberto, um deles tem que morrer, é a minha lei – ele mostrou a fotografia de uma menina – olho por olho.

- Oh, meu Deus! Perdão, perdão, perdão eu imploro, senti tanto com aquela perda... Não tive culpa, foi uma circunstância tão estúpida.

- Chato não é? Perder alguém assim, como eu perdi, nós morremos junto, viramos palha andando por ai, espantalhos, eu vivo no inferno desde então – ele pegou guardou a foto depois de beijar – depois da perda a pessoa não acredita em nada, se perdeu o seu anjo perde tudo, passa a não acreditar em coisas como Deus, moral e o caralho... essa foi minha filha, queria ser uma princesa para poder ajudar todos os animais, quatro anos, um anjo – ele fez uma pausa e enxugou as lagrimas - minha mulher morreu logo depois, tomou um monte de remédios, eu sou covarde, gente com eu não se mata, não sem antes acertar as contas .

- Por favor, posso fazer qualquer coisa.

- Traga ela de volta – disse o homem e completou – viu, não pode qualquer coisa, não é? O ser humano ainda acha que tem livre arbitro. Eu disse olho por olho, então tem que conviver com a perda como eu convivi nesses anos, não me adianta matar você – disse o homem.

Roberto começou a chorar e completou.

- Foi um acidente, Jesus Cristo, um cachorro não tem juízo... Eu tentei e não consegui segurar a coleira dele.

- Um acidente, uma fatalidade – disse o homem com a mascara do demônio - minha filha foi considerada um nada, filha de gente pobre vaqueiro, um caseiro de praia, nem mesmo admitiu o seu erro.

- Foi há tanto tempo– disse Roberto.

- Vai aprender que no inferno o tempo não passa.

Roberto gritou por socorro, mas tudo que ouviu foi à chuva melancólica como uma musica da morte.

O homem disse:

-Escolhe um dos seus amados parentes, estou te dando uma chance que não tive de escolher – Roberto suava frio, sempre achou que aquela historia voltaria, uma fatalidade, o seu cachorro, uma menina , como alguém pode culpar um cão por agir assim. A vida cobra tudo, e com juros, olhou para aquele homem , ele estava ali, salivava bem próximo, com lágrimas de desespero nos olhos Roberto escutou o homem falar – eu sou o cão agora Sr. Roberto.

Escutava o choro das pessoas que mais amava.

- Escolhe – disse o horrível homem que estava com mascara do demônio– escolhe, senão mato os três.
Roberto sentiu um aperto no coração, não havia outra forma de falar e abriu os olhos e corajosamente encarou o demônio.

- Sabe que vou poupar as crianças – disse e abaixou a cabeça, nem viu quando o homem com a máscara do demônio atirou em sua mulher, parte dele morreu junto, mas o monstro não parou, encostou a arma na cabeça do caçula, Roberto queria gritar.

- A sua conta é pesada demais, ele sempre foi o meu preferido, é inteligente, lembra a minha filha – Roberta chorava e de olhos vermelhos implorava pela vida do irmão – não se preocupe menina, vai viver, não cobro mais do que me devem, vou levar o menino e a divida do seu pai está paga..

O segundo disparo atingiu Mauro na cabeça e fez Roberto perder os sentidos, quando acordou estava no hospital, Roberta chorava segurando a sua mão.

-Por que pai ele fez tudo isso? Quem é aquela menina da foto? – ela disse chorando – acharam o corpo dele.

Roberto abraçou a filha, seu último tesouro.

Fonte: Livro "Restos Mortais"

Nenhum comentário:

Postar um comentário