quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A Balsa - Stephen King (Final)


Leia as partes anteriores clicando nos links abaixo:
Parte 1
Parte 2
Parte 3

Randy olhou para a superfície da balsa. Podia deitá-la, naturalmente, mas as tábuas só tinham uns trinta centímetros de largura. Havia uma plataforma para mergulho que era adaptada à balsa durante o verão, mas pelo menos isso fora desmontado e guardado em algum lugar. Nada mais restava senão o próprio piso da balsa, quatorze tábuas, cada uma com trinta centímetros de largura e seis metros de comprimento. Não era possível deitá-la, deixar seu corpo sem sentidos sobre qualquer daquelas fendas.

Pise em uma fenda, e sua mãe ofenda.

Cale-se.

E então, tenebrosamente, sua mente sussurrou: Vá, mesmo assim. Deite-a aí e nade para a salvação!

A Balsa - Stephen King (Parte 3)


Leia primeiro as partes anteriores:
Parte 1
Parte 2

LaVerne gritava. Randy se virou, em tempo de vê-la tapar os olhos melodramaticamente com uma das mãos, parecendo uma heroína de filme mudo. Pensou que ia rir e dizer-lhe o que imaginara, mas constatou que não conseguia emitir nenhum som. Tornou a olhar para Rachel. Praticamente, ela não estava mais lá. Suas contorções haviam diminuído, a ponto de não passarem de espasmos. O negrume espojou-se sobre ela — agora maior, pensou Randy, está maior, não há a menor dúvida — com silenciosa e muscular força. Viu a mão de Rachel agitar-se contra aquilo; viu a mão começar a ficar presa, como que aderida a melaço ou papel pega-moscas; viu-a desaparecer. Agora, havia apenas um senso das formas dela, não na água, mas na coisa preta, não se virando, mas sendo virada, a forma se tornando menos e menos identificável, um lampejo branco — ossos, pensou nauseado, e virou o rosto, vomitando inapelavelmente por sobre uma borda da balsa.

LaVerne ainda gritava. Houve então um pláft! surdo, e ela parou de gritar, começando a acalmar-se.

Ele a esbofeteou, pensou Randy. Eu queria fazer isso, lembra-se?

A Balsa - Stephen King (Parte2)


Clique aqui para ler a primeira parte.

Então, saiu da água e o ar frio mordiscou-lhe a pele, mordiscou-o ainda com mais vigor do que a água, quando nela mergulhara.

— Ohhhhhh, merda! — gritou, rindo e tiritando em sua sunga.

— Pancho, tu és um moleirão! — exclamou Deke, satisfeito. Ajudou-o a subir para  a balsa. — Está frio demais pra você? Tudo bem?

— Tudo bem comigo! Tudo bem comigo!

Randy começou a pular como Deke havia feito, cruzando os braços sobre o peito e estômago, em um X. Os dois se viraram para as garotas. Rachel ultrapassara LaVerne, esta exibindo um estilo cachorrinho, executado por um cão de maus instintos.

— As senhoritas estão bem? — gritou Deke.

— Vá para o inferno, Senhor Machão! — gritou LaVerne.

Deke não a importunou mais. Randy olhou para o lado e viu que a curiosa mancha escura e circular estava agora mais próxima — agora a dez metros e ainda aproximando-se. Flutuava na água, redonda e circular, como o topo de um grande latão de aço, porém a maneira frouxa como se movia deixava perceber que não era a superfície de um objeto sólido. O medo, errante, mas poderoso, tomou conta dele.

A Balsa - Stephen King (Parte 1)


São uns sessenta e cinco quilômetros, da Universidade Horlicks, em Pittsburgh, até o Lago Cascade, e embora em outubro escureça cedo nessa parte do mundo, e apesar deles só partirem às seis horas, ainda havia uma ligeira claridade no céu quando chegaram lá. Tinham ido no Camaro de Deke. Deke não perdia tempo, se estava sóbrio. Após duas cervejas, fazia o Camaro caminhar e falar. Ele mal havia parado o carro junto à cerca de estacas, entre o pátio de estacionamento e a praia, quando saltou para o chão e tirou a camisa. Seus olhos esquadrinhavam a água, à procura da balsa. Randy saiu do banco ao lado do motorista, algo relutante. A idéia tinha sido sua, claro, porém nunca esperara que Deke a levasse a sério. As garotas se remexiam no banco traseiro, preparando-se para descer.

Os olhos de Deke perscrutaram as águas incessantemente, de um lado para outro (olhos de atirador de tocaia, pensou Randy, desconfortavelmente), e então se fixaram em um ponto.

— Está lá! — gritou, dando um tapa no capô do Camaro. — Bem como você disse, Randy! Que barato! O último a chegar é um ovo podre!

A Casa Dos Fundos


Eu não me achava gostosinha aos 16 anos. Mas cheguei a ficar convencida quando ele me lançou aquele olhar canibal. Eu passara o sábado todo de pijama, shortinho curto e tal – na varanda da minha casa, qual é? Não deveria ser um problema.

Fazia calor e fui pegar um pouco de sol enquanto tomava o café da tarde. Quase larguei o copo de suco e o pão no chão quando dei de cara com o sujeito parado ali na sacada, apoiado na grade frouxa que podia ceder a qualquer momento, fumando e me encarando como se estivéssemos prestes a ir para a cama juntos.

– Quem é você? – perguntei, embora o impulso inicial fosse berrar por meu pai.

O mané riu debochado. Vá lá, não era mané. Era um exagero de homem. Não pude evitar encará-lo de volta. Cabelos pretos jogados na testa, pele tostada, olhos cor de cerveja que não pareciam ser realmente daquele rosto. Jeans, camiseta justa, básico, no ponto. Jogou sua bituca no chão e apagou-a com o pé. E respondeu:

– Talvez a resposta às suas preces?


O Espelho



Algumas pessoas não acreditam em magia negra, espiritismo, exotismo, coisas assim. Mas algumas das minhas aventuras, até hoje, ainda não são entendidas. Incógnitas, interrogações que por mais que se tente, parece impossível conseguir a resposta. Ah! meu perdão, não me apresentei, meu nome é Adonias, sou um caçador de paranormalidade, adoro lidar com o sobrenatural, mas confesso que não sei dizer se é real ou não tudo isso. Bem, como estava dizendo, já me deparei com muita coisa estranha, mas hoje vou contar pra vocês sobre um espelho, é um espelho, a minha primeira aventura de muitas, vem comigo.

O Ritual



Depois do que aconteceu com o espelho, ainda me dá calafrios quando lembro daquela coisa escura passando a janela tomando rumo ao céu e sendo apagada por um relâmpago. Mas, isso não foi tão assustador quanto o que me aconteceu dias depois ao ir visitar um amigo. Daniel é um velho amigo, costumamos debater sobre as questões sobrenaturais, alongamos horas e horas nesse assunto. Ele mora pouco distante de Capela, minha pacata cidade, e para visitá-lo eu preciso da ajuda de Atal, meu velho e amado fusca.

Era manhã de domingo por volta de 9 horas, o céu continha algumas nuvens que se alternavam a sobrepor o Sol, amenizando um pouco o calor. Em frente a minha casa, famílias passavam rumo a igreja, o velho hábito das missas de domingo, eu também costumo ir, mas como esse domingo resolvi visitar Daniel, apenas cumprimentava meus conhecidos que passavam.

A Máquina De Passar Roupa - Stephen King




O Guarda Hunton chegou à lavanderia quando a ambulância já partia ― devagar, sem sereias ou luzes piscando. Mau presságio. Lá dentro, o escritório estava abarrotado de pessoas inquietas e caladas, algumas das quais choravam. A lavanderia propriamente dita estava vazia; as grandes lavadoras automáticas na extremidade oposta nem mesmo tinham sido fechadas. Aquilo fez Hunton ficar muito atento. A multidão devia estar no local do acidente, não no escritório. Era o que costumava acontecer: o animal humano possuía uma compulsividade inata para ver os restos mortais. Então, fora coisa muitíssimo séria. Hunton

sentiu um aperto no estômago, como sempre acontecia quando o acidente era muito grave.Quatorze anos de remover restos humanos de rodovias, ruas, sarjetas em frente a arranhacéus altíssimos não haviam conseguido eliminar aquela leve contração na barriga, como se alguma coisa maléfica se tivesse coagulado ali.

A Armadilha



Os Emory Sinclair deveriam ser felizes. Eram donos da casa em que moravam, na Rua 70-Leste, em Nova York, possuíam uma suntuosa casa de veraneio em Palm Beach e mal podiam contar todo o dinheiro que tinham. Mas Emory Sinclair, depois de ter ganhado uma fortuna antes de completar 35 anos, estava procurando dobrá-la, antes de chegar aos 45 anos. Helen Sinclair, negligenciada e entediada, passava os dias em dispendiosos salões de beleza, sendo massageada, embelezada e posta em forma. Embora ela tivesse 36, parecia ainda não ter chegado à casa dos 30 anos.

Tudo poderia ter corrido bem, se Emory Sinclair não tivesse despedido a sua secretária. Mas ele a despediu, convencido de que todas as mulheres eram idiotas congênitas, contratando Paul Fenton para substituí- la. A Sra. Sinclair não demorou a descobrir que o jovem era solteiro e muito atraente.

De um quarto no terceiro andar da casa da Rua 70-Leste, a que chamava de gabinete, Emory Sinclair negociava com moedas estrangeiras. Movimentando seu imenso capital ao redor do mundo, ele jogava nas notícias de um governo prestes a cair, um ditador assassinado, uma colheita fracassada. E insistia para que seu secretário particular morasse na mesma casa.

O Quarto Vazio



O portão rangeu, com um suave queixume feminino, quando eleo fechou, depois de passar. O barulho fê-lo parar por um momento no caminho e olhar para a casa. A casa estava às escuras, avultando sombriamente na noite escura. Ele se perguntou se ela não estaria acordada, se o rangido do portão por acaso não a despertara. Mas realmente não se importava. As coisas já tinham ido tão longe que ele já não mais se importava com coisa alguma. As cenas estavam começando a deixá-lo nervoso demais. Já não mais agüentava as constantes repetições, as acusações (que não mais se dava ao trabalho de negar), as censuras intermináveis. Ele subiu pelo caminho e pelos degraus da varanda, tirando a chave do bolso. Entrou na casa, fechando a porta. E no mesmo instante sentiu a hostilidade, o ódio gerado pela presença dela, pelo ressentimento constante dela.

Sou Melhor Do Que Você


Nicki não se encontrava em casa quando houve o telefonema. Sua colega de apartamento estava excitada demais para apresentar um relatório coerente. Ela não tinha muita certeza do lugar em que o Sr. Wolfe vira Nicki atuar: se na peça da temporada de verão, na aparição de dois minutos em Gypsy ou no comercial de televisão para um aspirador. Mas que diferença isso podia fazer? Nicki deveria apresentar-se no Broadhurst Theatre, às 4 em ponto, se quisesse ter uma audiência. Nicki ficou tão excitada que saiu da pensão sem nem mesmo passar um pente pelos cabelos louros emaranhados. Percorreu a pé os 13 quarteirões até o teatro, não querendo permitir-se a indulgência de um táxi. Poderia conseguir um lugar na peça, é certo, mas o elenco vinha sendo escolhido há mais de um mês e agora só deveriam restar os papéis secundários.

Havia apenas cinco pessoas no palco quando Nicki chegou. Quatro mal a olharam quando ela avançou, hesitante, até a frente do palco. O quinto, um homem de aparência ainda jovem, o rosto ossudo, vestindo um pulôver, aproximou-se dela, sorrindo. Nicki sabia que era Wolfe, o diretor, importado de um teatro dos subúrbios, em sua estréia na Broadway, com uma nova comédia.

— Eu a conheço — disse ele. — Você é Nicki Porter. Obrigado por ter vindo.

— Eu é que lhe agradeço — disse Nicki tímida, usando sua voz rouca e sonora.

Nicki não era extraordinariamente bonita nem mesmo provocantemente comum. A sua melhor característica era a voz.

A Máscara Do Mau


Um domingo como outro qualquer, talvez um pouco nublado, cinza.

Roberto e a família: o filho caçula Mauro, a filha adolescente Roberta e a mulher Lidia, resolveram passar o domingo na casa de praia da família, ele tinha uma surpresa de amor, o Engenheiro festejava o aniversário de casamento, porém em uma escolha surpreendente a mulher preferiu passar na casa de praia de praia, herança dos pais dela.

Roberto odiava aquela casa, anos atrás ocorreu um evento muito triste, Lidia e ele era simples namorados, um evento que ele queria esquecer para sempre, estranhamente isso não afetava a mulher que adorava a casa, eles nunca se entenderam sobre a casa, recentemente um amigo da família, senhor Conrado fez uma proposta e Roberto esperava a decisão de Lidia.

Caixa Preta


Depois de puxado o gatilho, era sinistra tal lógica e mortal a sua mecânica.

A bala desprendida do pente percorria o cano de alma lisa em busca do crânio para onde foi mirada, e isso era uma viagem sem parada ou retorno. Veio o disparo, veio faísca e enquanto a vítima, de músculos tesos, esperava resignada a certeza de sua chegada, não imaginou também, naquele ínfimo instante, acabar sendo platéia de tão belo e inesperado cinema.


Os Homens Sem Ossos


Estávamos carregando o Claire Dodge de bananas, em Puerto Pobre, quando um homem pequeno e de aspecto febril subiu a bordo. Todos se afastaram para lhe dar passagem — até mesmo os soldados que guardam o porto, armados de rifles Remington e usando perneiras polidas, apesar de andarem descalços. Eles recuaram porque achavam que aquele homem era um possuído, um louco. Embora não fizesse mal a ninguém, era perigoso e o melhor que se poderia fazer era deixá-lo sozinho e em paz.

Os lampiões de nafta sibilavam e do porão vinha o grito estrondoso do capataz da turma que trabalhava lá embaixo:

— Fruta! Fruta! FRUTA!

O chefe da turma que trabalhava no cais gritava a mesma coisa, enquanto seus homens iam jogando para o porão cachos e mais cachos de bananas verdes e brilhantes. Só isso bastaria para que a ocasião fosse memorável — a noite magnífica, o corpo luzidio do capataz negro refulgindo à luz dos lampiões, o verde com jade das bananas, os cheiros diversos do porto. De um dos cachos de banana saiu de repente uma aranha cinzenta e cabeluda que assustou a tripulação e interrompeu a cadeia de carregamento de banana, até que um garoto nicaraguano, com uma risada, matou-a com o pé, afirmando que era inofensiva.

Foi então que o louco subiu a bordo, sem que ninguém o impedisse, e perguntou-me:


Morte Fora De Época


A Srta. Witherspoon estava agachada, remexendo a terra no canteiro de ervas com uma trolha. Disse a si mesma, mentalmente, que devia tomar cuidado para não remexer muito perto, a fim de não afetar as delicadas raízes das ervas. Era uma jardineira meticulosa e hábil, como os resultados bem atestavam. Suas flores e ervas eram as mais viçosas da cidade. Eram a inveja de todos, se os vizinhos tivessem a virtude de confessá-lo.

A Faca


Edward Dawes refreou sua curiosidade o mais que pôde, depois ajeitou seu corpo imenso na cadeira em frente a Herbert Smithers. Inclinando-se por cima da mesa, ficou observando-o limpar o objeto enferrujado que tinha nas mãos. Era uma faca — e quase mais nada se podia ver. Não entendia por que Smithers parecia tão preocupado com ela, no estado em que ela se encontrava. Edward Dawes acariciou seu copo e ficou esperando que o outro falasse.

Mas, como Smithers continuasse a ignorá-lo, deu o último gole e baixou o copo com força, deixando-o em cima da mesa.

— Esta faca não é lá muito bonita — observou desdenhosamente. — Diria que nem vale a pena limpá-la.

— Ham, ham...

Smithers, com este único comentário, continuou a limpar a faca cuidadosamente, raspando com uma lima a crosta de sujeira.

— O que é isso? — indagou Gladys, a empregada de seios exuberantes, do bar Três Carvalhos, que se aproximara para recolher os copos vazios.

— É uma faca — Smithers condescendeu em explicar. — Uma faca antiga e rara, que me pertence porque a achei.

Foi a vez de Dawes proferir uma exclamação, afirmando em voz alta para o bar inteiro, embora só os três estivessem presentes àquela hora:

— Ele pensa que é muito valiosa...

— Não me parece muito valiosa — disse Gladys com franqueza.

— Parece-me uma coisa feia e enferrujada que devia ser devolvida ao monte de ferro velho de onde veio.

O silêncio de Smithers foi mais eloqüente do que se tivesse dito alguma coisa. Umedeceu com saliva um lenço sujo que tirara do bolso e esfregou uma pequena mancha vermelha que havia perto da ponta, ainda coberta de sujeira. O pequeno ponto vermelho foi aumentando, emergindo da crosta de sujeira como uma pedra lapidada de um brilho vermelho muito grande.

A Senhora


Billy Weaver partiu de Londres no vagaroso trem da tarde, com baldeação em Reading. Já eram nove horas da noite quando finalmente chegou em Bath. A lua começava a se levantar por cima das casas do outro lado da estação, num céu claro e estrelado. Mas o tempo era bastante frio, e o vento parecia uma lâmina de gelo a golpear-lhe as faces.

— Com licença, mas será que existe algum hotel razoavelmente barato aqui por perto?

— Experimente o Bell and Dragon — respondeu o porteiro da estação, apontando para um dos lados da rua. — Talvez tenham vaga. Fica a cerca de 500 metros daqui.

Billy agradeceu, pegou a valise e partiu a pé para o Bell and Dragon. Nunca antes estivera em Bath, não conhecia ninguém que morasse ali. Mas o Sr. Greenslade, da matriz em Londres, dissera-lhe que era uma cidadezinha adorável.

A Estampa Da Casa Maldita


Os amantes do horror frequentam sítios estranhos e remotos. Nada desejam senão as catacumbas dos Ptolomeus e os mausoléus esculpidos dos países de pesadelo. Sobem às torresenluaradas das ruínas de castelos dos Reno, descem negras escadarias, cobertas de teias de aranha, sob as pedras dispersas de esquecidas cidades da Ásia. A floresta encantada e a montanha inóspita são os seus santuários e eles se detêm longamente em torno dos sinistros monólitos de ilhas desabitadas. No entanto, o verdadeiro epicurista do horror, para quem uma desconhecida palpitação de inenarrável pavor constitui a finalidade maior e justificativa da existência, estima antes de tudo as fazendas antigas e solitárias do interior da Nova Inglaterra. Pois é ali que os soturnos elementos de força, solitude, grotesco e ignorância se combinam para moldar a quintessência do tétrico.

Steve e Fred

– Eles são muitos! – gritou Naomi, combinando perfeitamente com a derrapada dos pneus da moto.
Eles pararam a pouca distância da margem das árvores com o motor da Buell ronronando entre as pernas. Os olhos de Steve se estreitaram enquanto ele examinava o muro externo. Não eram os zumbis que o incomodavam. O portão principal do laboratório estava bloqueado. Um Humvee colidira com a carcaça incendiada do que parecia ser um trator semeador. O trailer deve ter avançado ainda mais, virando ao bater nos dois veículos. Poças brilhantes como de gelo cintilavam onde o fogo derretera partes dos passadiços de alumínio. Não podemos ir por aqui. Steve olhou Naomi por sobre o ombro.
– Hora de usar a entrada de serviço.
A neurocientista tombou a cabeça de lado.
– E existe uma?
Steve não pôde deixar de rir. Para alguém tão inteligente, Naomi podia ser bem burra. Steve lambeu o dedo e colocou-o teatralmente no vento.
– Vamos descobrir.
O laboratório estava inteiramente cercado. Ele esperava por isso. Devia haver, o quê?, uns cem se arrastando e apalpando de cada lado do perímetro hexagonal.

Ludmila

Geralmente a avó começava a gritar-lhe no instante em que a porta se abria, indagando por que Ludmila se demorara no bosque ou se, por acaso, se comportara mal na escola e por isso fora castigada. Havia ocasiões em que a avó nem mesmo isso dizia, arremessando o travesseiro contra Ludmila, sempre preparada para pular de lado. Mas naquele dia foi diferente. Nenhum travesseiro foi-lhe arremessado. E também não houve gritos.

— Babushka?

Arriscando um olhar para a avó, Ludmila viu as trancas brancas espalhadas sobre o travesseiro e a coberta puxada para o alto, como a arrumara algumas horas antes. Teve vontade de dizer: “Perdoe-me pelo que fiz esta manhã, Babushka. Não queria ser uma menina má. Por favor, perdoe-me e diga alguma coisa. Por favor...”

Se a avó não falasse agora, passaria dias e dias sem dizer coisa alguma. Nem uma única palavra. Talvez só voltasse a falar depois que a neve começasse a cair e o pai e irmãos de Ludmila tivessem voltado da colheita.